Ambicioso, superestimado, complexo, arrojado, explicativo em excesso. Esses são alguns dos adjetivos que costumeiramente são atribuídos ao cineasta Christopher Nolan. Seu novo filme, “Oppenheimer” (lançado pela Universal Pictures após 18 anos de parceria com a Warner Bros.), não abre mão dos maneirismos que tornaram o diretor um dos grandes nomes da Hollywood atual que lhe conferiram as alcunhas supracitadas. O que pode chamar a atenção é que ele desta vez aborda uma história real. Ok, “Dunkirk” também o era, no entanto os fatos verídicos serviam mais como contexto para a trama, e não o fio condutor como vemos no lançamento deste final de semana. Claro que há uma dose de ficção, da qual a linguagem cinematográfica não pode se desprender.
A história do cientista americano J. Robert Oppenheimer e seu papel no desenvolvimento da bomba atômica. Oppenheimer foi um físico teórico americano que desempenhou um papel fundamental no Projeto Manhattan durante a Segunda Guerra Mundial. O projeto tinha como objetivo desenvolver a primeira bomba atômica. Oppenheimer foi nomeado diretor científico do Laboratório Nacional de Los Alamos, onde uma equipe de cientistas trabalhou incansavelmente para construir a arma devastadora que daria vantagem aos americanos sobre os nazistas, e que acabou sendo usada para impor a rendição ao Japão.
O roteiro que Nolan assinou juntamente com Kai Bird e Martin Sherwin conta a história partindo de duas frentes: a trajetória de Oppenheimer até a construção e testes com a arma, em 1945 e as controversas audiências, realizadas em abril de 1954 perante um Conselho de Segurança de Pessoal da Comissão de Energia Atômica, para averiguar sua lealdade ao governo norte-americano, uma vez que o passado do cientista apresentava vínculo com grupos comunistas. Essas audiências tiveram Lewis Strauss, presidente da CEA, como força motriz.
A forma como a montagem se dá, e o excesso de informações pode confundir um pouco o espectador, e é aí que ele opera da maneira que mais gosta, tornando tudo mais difícil de decifrar. Nada que se compare a “Tenet“, mas, se podemos dificultar, para que facilitar? Esse é o pensamento mais íntimo do cineasta. E já que ele é taxado de explicativo, como que uma vingança dos críticos, ele não despende tempo explicando termos científicos ou ratificando funções de determinados personagens. No máximo coloca um flash remissivo quando é citado alguém depois de um longo intervalo de ausência na tela.
O elenco estelar é encabeçado por Cillian Murphy, em uma atuação sofisticada e garbosa, com um trabalho de composição assustador, dada a semelhança com o biografado. Se o filme recai sobre seus ombros, ele cumpre a missão a contento, dando todo sentido ao projeto. Do outro lado está Robert Downey Jr. no papel de Strauss. Embora se caracterize como um antagonista um tanto vilanizado (mais culpa do roteiro do que do ator), dá mais uma prova de seu inegável talento e versatilidade (já que não há vestígios de Tony Stark) trazendo o longa para si quando necessário. E vale destacar os desempenhos das personagens femininas. Emily Blunt interpreta Kitty Oppenheimer – esposa do protagonista – de forma pujante, e Florence Pugh imprime vitalidade audácia à psiquiatra Jean Tatlock, amante do físico, em uma construção um pouco ficcional porém adequada, mesmo que ela sirva muito mais para explicitar características questionáveis do personagem (como a infidelidade) e reforçar a culpa que o assola por brincar de Prometeu. Já Matt Damon, no papel do milico Levis Groves, é a personificação do Estado na ação.
As imagens captadas com câmeras IMAX (um dos chamarizes do longa), conferem a “Oppenheimer” o revestimento de espetáculo – que tem como ponto alto o momento do teste com a bomba, realizado sem ajuda de CGI – tão caro a Nolan. E o mesmo tom de questionamento quanto ao proposta do personagem pode ser encarado como o paralelo traçado para refletir, na verdade, sobre suas próprios desígnios e da voracidade dos estúdios da qual se tornou refém, tal qual seu protagonista em relação ao projeto encomendado pelo governo norte-americano. Não é um filme palatável (Nolan tem procurado se distanciar cada vez mais disso), mas sem dúvidas uma obra cinematográfica relevante, em que o realizador propõe uma reflexão intimista sobre a atração atávica da humanidade pela autodestruição e o faz sem abandonar a ambição que lhe é peculiar.
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