




Desde a sua estreia na direção de longas em 2002, com “Madame Satã”, que revelou o talento de Lázaro Ramos para o grande público, o cearense Karim Aïnouz é celebrado como um dos melhores e mais interessantes novos cineastas brasileiros que surgiram nos últimos anos. Suas obras seguintes, “O Céu de Suely” e “Abismo Prateado” já lhe renderam prêmios no Brasil e no exterior, sendo inclusive inclusos em festivais importantes como o de Cannes. Com o intuito de fortalecer ainda mais seu nome no cinema internacional, Aïnouz criou seu novo filme, “Praia do Futuro” com um tema recorrente à sua (ainda) curta filmografia: a busca por um lugar (ou alguma coisa) onde seus protagonistas consigam lidar com suas perdas ou inquietações. Pena que, embora bem intencionado, o diretor cometa alguns pecados que prejudicam o resultado final.
Na trama, tudo acontece a partir de um afogamento de dois turistas alemães na praia que dá título ao filme, em Fortaleza. O salva-vidas Donato (Wagner Moura) tenta, mas não consegue salvar um deles e acaba entrando numa crise existencial. Ele então se envolve com Konrad (Clemens Schick), amigo do rapaz que morreu e que conseguiu ser resgatado do mar. Remoído pela culpa de ter falhado em seu trabalho, Donato decide abandonar tudo e se muda para a Alemanha, onde tenta se adaptar à sua nova vida e viver seu romance com Konrad de forma mais intensa. Mas, anos depois, ele recebe a visita de Ayrton (Jesuíta Barbosa), seu irmão mais novo, que o idolatrava quando criança. O jovem, magoado porque Donato o deixou no Brasil sem maiores explicações, tenta entender o que o fez tomar essa decisão que marcou suas vidas para sempre.
Para contar essa história, Aïnouz (que co-escreveu o roteiro com Felipe Bragança), utilizou alguns recursos cinematográficos, como elipses (quando alguns elementos são suprimidos de uma cena para outra, mas ficam subentendidos pelo espectador), além de lidar com silêncios entre os personagens, para mostrar os problemas de comunicação que eles enfrentam em alguns momentos. O problema é que o diretor parece mais preocupado em indicar que sabe construir sequências mais contemplativas do que encontrar soluções para tornar seu filme mais relevante e menos truncado. Um exemplo disso é a cena que marca o início do acerto de contas entre Donato e Ayrton, que começa bem, mas fica no meio do caminho, sem uma resolução realmente satisfatória. A analogia que o personagem de Jesuíta Barbosa faz ao comparar o irmão a um super-herói (no caso, o Aquaman) é até interessante, mas lá pelas tantas fica sem grande relevância para o filme em si. No entanto, é bem elaborada a questão de Donato não se sentir à vontade em Berlim porque sente falta do mar. Tanto que, anos depois, ele encontra uma solução para sua ‘perda’ ao se empregar num aquário.
Dividido em três partes, “Praia do Futuro” pode chocar o público mais conservador com suas muitas cenas de sexo entre dois homens, que mostram a entrega dos atores para os seus personagens. Quem tem a imagem cristalizada de Wagner Moura como um homem durão em filmes como os dois “Tropa de Elite” ou a ficção científica “Elysium” pode ficar abalado em vê-lo num papel mais sensível, fragilizado e apaixonado por um outro homem. Mas, ele não decepciona e sua composição para fazer Donato mostra mais uma vez porque ele é um dos mais talentosos astros brasileiros atuais. O alemão Clemens Schick, embora não seja tão intenso, mostra uma boa parceria com Moura. Mas é Jesuíta Barbosa, que estrelou “Tatuagem” e se destacou também na minissérie de TV “Amores Roubados”, o melhor nesse pequeno elenco. Ele mostra uma genuína revolta de seu personagem, construindo sua rebeldia na medida certa, sem parecer um menino mimado, causando uma empatia no espectador. É uma pena que o roteiro não permita que os três consigam aprofundar melhor seus questionamentos, em alguns momentos até cruciais na trama.
Vale destacar também o excelente trabalho da fotografia de Ali Olcay Gözkaya, que usa cores quentes nas cenas passadas no Brasil e muda o tom quando o filme vai para a Alemanha, onde ganha um tom cinzento e desolador, o que reforça a frieza que cerca os personagens. Um bom exemplo disso é na cena em que Ayrton chega a Berlim e a câmera enfatiza a sensação de estranheza que ele sente ao chegar à capital alemã e tudo parece ter a mesma cor, o cinza. Além disso, a sequência dos três personagem andando de moto numa estrada coberta de névoa também chama a atenção.
Com um final que pode decepcionar um pouco, por causa da sensação de que algumas questões levantadas durante a história não são resolvidas, “Praia do Futuro” tinha tudo para se tornar um filme maior do que acabou se tornando. Embora não tenha morrido na areia totalmente com suas intenções, a produção ficou no meio do caminho para o que poderia render com seu argumento. Talvez seja esse o motivo que tenha levado o filme a ser recebido com reservas no Festival de Berlim 2014 (onde participou da mostra competitiva mais importante). Uma pena, pois Aïnouz já fez um cinema mais instigante. Quem sabe em seu próximo projeto, as coisas sejam um pouco melhores.