Ao longo dos 17 anos de existência do Universo Cinematográfico da Marvel, a eficácia de sua receita de sucesso, que de tão bem-sucedida comercialmente foi copiada por outros estúdios, a famigerada “fórmula Marvel”, foi diversas vezes contestada. Hoje vista como uma relíquia de um passado recente (com a sensação paradoxal de algo longínquo), essa fórmula mostra em “Thunderbolts*” a perenidade de sua reciclagem. Ainda que esteja havendo uma “operação ordem na casa”, com o veículo tendo seus pneus trocados enquanto se locomove, fica nítido que o storytelling que o CEO Kevin Feige desenvolveu para se tornar o parâmetro da era do cinema de super-herói ainda tem muita força, mesmo quando não se faz brilhante. Até porque em alguns casos não precisa ser, como aqui.
A primeira ideia que se tem da nova equipe de desajustados era de que a Marvel pretendia recriar a dinâmica dos Guardiões da Galáxia. Porém, o caminho é diferente. Estamos diante de uma versão disfuncional dos Vingadores, que, inclusive, é formada de maneira semelhante em sua estrutura narrativa de “Os Vingadores – The Avengers”, embora com um tom distinto. Yelena Belova (Florence Pugh) é quem conduz a trama, como esperado, a partir de seu encontro com Valentina Allegro de Fontaine na cena pós-créditos de Viúva Negra.

Apesar de ser, na teoria, um filme centrado em um grupo, a trama de “Thunderbolts*” se desenvolve principalmente ao redor de Yelena e do enigmático Bob (interpretado por Lewis Pullman), enquanto os demais integrantes atuam mais como coadjuvantes. A decepção fica por conta de ver Bucky Barnes (Sebastian Stan) — um veterano do MCU que poderia enfim ganhar seu protagonismo — novamente colocado em segundo plano (parece a sina do personagem). Ainda assim, é inegável a força da parceria entre Pugh e Pullman, que sustentam o coração do filme com grande química e intensidade.
A adição da indicada ao Oscar se mostra uma das melhores escolhas de elenco no MCU e os holofotes centrados nela em “Thunderbolts*” de fato fizeram com que a personagem crescesse e nos fizesse curar um pouco da ferida deixada pela morte de sua irmã adotiva, Natasha Romanoff, a Viúva Negra. Florence demonstra compreender tão bem a personagem quanto Sebastian Stan compreende Bucky, ou Tom Hiddleston o faz com Loki, e, claro, Scarlett Johansson com Natasha. Explorar o lado mais humano de Yelena foi um acerto que reforça a empatia com o público.

David Harbour continua sendo o alívio cômico como Alexei Shostakov, o Guardião Vermelho, só que ainda mais bonachão, justamente para servir de contraponto emocional para Yelena. Hannah John-Kamen como a Fantasma não tem muito desenvolvimento, mas é eficaz em sua atuação. Sebastian Stan procura tira o máximo de proveito de Bucky, embora, até por não ter tanto destaque, não possamos ver todo seu potencial explorado, que quem o conferiu como Donald Trump em O Aprendiz, sabe do que se trata. Julia Louis-Dreyfus mantém o mesmo tom de Valentina que já conhecemos, e Wyatt Russell traz uma versão muito mais amigável de John Walker, que chegamos até a esquecer aquele já icônico golpe de escudo em “Falcão e o Soldado Invernal”.
O roteiro assinado por Eric Pearson (“Thor Ragnarok”, “Viúva Negra”), Joanna Calo (da série “O Urso”) e do estreante no cinema Kurt Busiek também toca no tema da saúde mental, ainda que na forma de alegoria, mas sem as tintas coloridas de “Divertida Mente 2” para aliviar o tom. O diretor Jake Schreier soube balancear as ideias apresentadas e demonstra seu talento para cenas de ação estilizadas mostrado na minissérie “Treta”. Ainda que esteja ocupando a função de diretor de aluguel, que o impede de tomar liberdades que possam descaracterizar a identidade do MCU, realiza um trabalho eficaz.

No fim das contas, “Thunderbolts*” é tanto um filme típico da Marvel quanto demonstra auspícios de ser algo além. Há o humor aliviando as tensões, às vezes desnecessariamente, o que já víamos na fase áurea do MCU, elementos já corriqueiros em diversos outros longas, sobretudo do Capitão América e de Vingadores (o confronto em Nova York nos remete à estreia da equipe em 2012), mas também aquela preocupação em envolver personagens com os quais o público já criou vínculo, sem deixar os fãs casuais de fora. Esse é o ingrediente que desequilibra em favor de Kevin Feige. Se em um momento pós-Ultimato a Marvel Studios parecia um tanto perdida, aqui temos um filme que o universo compartilhado precisava agora. A Marvel que funciona. Um pouco imperfeito, é verdade. A reciclagem não provoca o impacto original. Mas há coração. Parece ter sido dado aqui o primeiro passo para fazer a Marvel grande outra vez.