Para quem ama o cinema, há poucas coisas tão recompensadoras quanto compartilhar este amor com as crianças. Ainda imunes à implicância da adolescência que se transforma em certeza irredutível quando adultos – presente na frase decepcionante “eu não vejo filmes antigos” -, as crianças aceitam de bom grado quase tudo que mostramos a elas, e de repente o que temos é uma sala cheia pelas gargalhadas desta plateia mirim assistindo a Charles Chaplin, Buster Keaton, o Gordo e o Magro e outros. Também é recompensador pedir para crianças fazerem seus próprios filmes: o resultado é sempre cheio de magia, como se saído da cabeça de pequenos Méliès. Um Filme de Cinema parte da premissa de que o cinema para e por crianças merece um lugar no circuito exibidor – e com muita singeleza defende sua tese.
A tarefa escolar que a turma de Bebel recebeu foi contar uma história de uma maneira diferente para a classe. A menina e seus amigos decidem então fazer um filme. Ela pede emprestado o equipamento de seu pai, o cineasta Rodrigo (Rodrigo Scarpelli), que primeiro recusa, mas depois cede uma câmera menor para a menina filmar.
As filmagens consistem em Bebel fazendo três perguntas: “o que é a vida para você”, “do que você mais gosta” e “qual seu maior sonho”? Mas não se trata de um filme puramente filosófico com as respostas de diversas pessoas aos questionamentos da menina: também vai haver história, que a turma não consegue decidir se será de terror, ação ou fantasia, por isso decidem juntar todas em uma. É neste contexto que Bebel leva para a escola sua cachorrinha, Tutuca, mas acaba perdendo o animal. Este é o conflito principal de um filme leve e divertido.
Enquanto Bebel está filmando, Rodrigo sofre para finalizar seu mais recente filme. Da iniciativa da filha vêm alegria, inspiração e força para ele seguir, até que os dois terminam suas produções juntos. A conclusão de seu projeto é um evento e tanto para Rodrigo que, quando perguntado pela filha ao início do filme “o que é cinema”, não soube dar resposta. Ao vê-la trilhar o caminho de aprendizagem pela sétima arte, ele volta a se apaixonar pela profissão.
Clipes de filmes mudos – em domínio público – são mostrados, e são citados diversos autores e cineastas, seja nos diálogos ou nas músicas compostas especialmente para a película. Estes são momentos de reverenciar os antepassados da sétima arte, aqueles que nos inspiraram tanto, em especial os artistas que ainda fazem rir, mesmo mais de um século depois de seus filmes terem estreado.
Um Filme de Cinema é uma produção familiar. O cineasta Thiago B. Mendonça colocou suas duas filhas nos papéis principais, e amiguinhos delas também atuando. O cineasta-pai, Rodrigo, é alter-ego de Thiago, que já dirigiu 16 curtas e tem aqui seu terceiro longa-metragem.
O filme teve passagens por diversos festivais de cinema, tanto voltados exclusivamente para o público infantil quanto para um público misto, sempre com muito sucesso. Sobre esta experiência internacional, Thiago comenta:
“Para nós é muito bonito ver crianças de todo o mundo acompanhando as aventuras da Bebel e Isadora. Me ensinou de novo como o cinema pode nos aproximar de outros universos. Sempre percebi isso como cinéfilo. E agora percebo como realizador. Fazer filmes para crianças é uma responsabilidade muito grande e acho que conseguimos construir um filme bonito, que se comunica com outros ‘mundos’, realidades distantes, que o cinema tem o poder de tornar próximas.”
Ideal para ser visto com crianças, mas capaz de emocionar também os mais velhos, Um Filme de Cinema nasceu como um retrato pessoal de uma família atravessada pela arte, mas se tornou mais que isso: um relato do amor pela sétima arte, um comentário sobre inspiração, paixão e vocação, uma reflexão sobre por que gostamos tanto dessa atividade inventada há pouco mais de 125 anos. Se comparada às outras artes, o cinema ainda está em sua infância: talvez por isso ressoe tanto com as crianças.
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