Que o Cinema Argentino é recorrentemente assertivo, isso não nenhuma novidade. É difícil nos depararmos com filmes Portenhos ruins, como um todo. Esse paradigma é reforçado ano a ano, e agora transcende qualquer expectativa com o fervoroso Relatos Selvagens. O viés transcendente – no tocante a cinematografia Argentina – se refere ao fato de que sua invejável eficiência é um fato, mas pautada em variações de um mesmo tema: a crise de identidade da Classe Média. Relatos Selvagens vai para outro caminho, mas com a mesma eficiência. Aqui, o diretor e roteirista Damián Szifrón busca, em seis histórias, evocar uma alegoria sobre os extremos da convivência social. Só nisso, a identificação já é quase osmótica. O filme abre com uma a princípio intrigante, e depois angustiante, coincidência que une todos os presentes num mesmo voo. Depois acompanhamos a resignação de uma garçonete ao ver que terá de servir um mafioso que foi responsável pelo suicídio do pai. Daí, segue-se para a tragicidade contida numa tensa perseguição de carros. Temos ainda o grande Ricardo Darín personificando a ira que a burocracia institucional provoca num indivíduo (aliás, um belo e criativo final). Segue-se com uma ácida visão da corrupção entranhada na sociedade, independendo de classes. E finaliza – brilhantemente – com as consequências de uma indiscreta infidelidade descoberta no dia do casamento dos envolvidos.
Um êxito claríssimo do longa é que, geralmente, filmes episódicos sofrem com um certo desnível qualitativo, o que definitivamente não acontece nessa produção. O roteiro e a segura direção de Szifrón tomam cuidado para que as seis tramas sejam bem construídas. Resultado: todas as histórias são ótimas. Há as excepcionais, como a do casamento, mas todas aglutinam em si um misto de Comédia e Drama, reflexão e desespero que expõem a habilidade do diretor (cria da TV) em dinamizar seu discurso, sem banalizá-lo. Nota-se a preocupação com a visualidade do conjunto (belíssima fotografia), solidez das interpretações (na linha tênue do Melodrama) e resultado prático do risinho nervoso que o espectador solta durante toda a projeção. E a Argentina conseguiu mais uma vez. Ampliou o debate que seu cinema costuma fazer, para aquilo que mais nos perturba como sociedade: o desiquilíbrio diante de situações cotidianas. Um dos melhores filmes de 2014!
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