Ter uma atriz com a história de Fernanda Montenegro, do alto dos seus 95 anos, ainda atuando, é de fato algo que merece mobilização. Não à toa “Vitória” chegou ao circuito cercado de expectativa, muito por conta da recente badalação de “Ainda Estou Aqui”, estrelado pela filha Fernanda Torres (e com participação da própria Fernandona no final como a Eunice idosa), vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional. Mas sem dúvida a curiosidade a respeito da atuação da grande dama das artes brasileiras.
Nina é uma senhora solitária que, aflita com a violência que toma conta da sua vizinhança e em conflito com os vizinhos, começa a filmar da janela de seu apartamento. A idosa registra a atividade dos traficantes de drogas da região durante meses, com a intenção de ajudar o trabalho da polícia. A princípio, seu esforço não foi sequer levado para avaliação, com as fitas sendo engavetadas por agentes da instituição, mas chamou a atenção de um jornalista policial, que busca ajudá-la nessa missão, sugerindo mudar seu nome para Vitória do título, para se proteger.

A trama se baseia em uma história real, da idosa Joana da Paz, que desmascarou uma quadrilha de traficantes e policiais corruptos da janela de seu apartamento no Rio de Janeiro, filmando todo o movimento do tráfico na favela em frente à sua janela. Sua verdadeira identidade só foi revelada após seu falecimento. A história começou a ser filmada por Breno Silveira, que faleceu durante a produção e foi substituído por Andrucha Waddington, genro da atriz principal, marido da vencedora ao Globo de Ouro e indicada ao Oscar.
Waddington busca um tom quase documental para contar a história. Apesar de se passar exatamente na mesma época da história verdadeira, o roteiro de Silveira e Paula Fiuza é livremente inspirado no caso. Tanto que a verdadeira “Vitória” era uma mulher afrodescendente, e não tão idosa, enquanto o repórter era branco. O diretor se vale também de referências a outros exemplares que tinham a espionagem como tema central como “Janela Indiscreta” e “Tocaia”.
É visível que o filme foi pensado para ser protagonizado por Fernanda Montenegro e várias adaptações foram feitas para facilitar sua atuação sem demandar tanto esforço (há até uma cena vista de longe em que a atriz é notadamente substituída por uma atriz de uns 40 anos com uma peruca branca). A mudança de etnia da protagonista recaiu também sobre o jornalista Flávio, interpretado por Alan Rocha – o fotógrafo que faz a já icônica foto da família Paiva após o desaparecimento de Rubens. A cumplicidade pretendida pelo script é garantida pela dupla e pelo bom trabalho de direção de atores. O menino Marcinho (Thawan Lucas) também se beneficia da grandiosidade de Fernanda, que favorece seus companheiros de cena. Aqui há também uma tentativa, por vezes incômoda, de se reproduzir a dinâmica entre Dora e Josué em “Central do Brasil”.

“Vitória” inegavelmente se apoia na credibilidade de Fernanda Montenegro, neste que, segundo a própria, pode ser seu último trabalho no cinema. É essa possibilidade de despedida que também ajudou o filme a liderar as bilheterias nacionais no último final de semana derrubando “Capitão América: Admirável Mundo Novo” do primeiro lugar. Se esse for mesmo o último ato, podemos dizer que foi um encerramento digno.
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