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“Como a leitura e a escrita me ajudaram a passar pelo puerpério”

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“Escrevia o que me viesse à mente […]. Assim, fui elaborando e entendendo melhor o que sentia, quem eu era quem estava me tornando – afinal, assim como não se nasce mulher, também não se nasce mãe, torna-se. E podemos nos tornar muito mais do que isso.”

Noites em claro, dias de sono entrecortados por choros e sobressaltos, um cansaço impossível de descrever, fraqueza, dor nos seios, medo de não conseguir amamentar, angústia de não saber mais quem se é. Tudo isso misturado à descoberta de um amor infinito, ao melhor cheiro do mundo, a um absoluto maravilhamento com a vida e à solidão. Muita solidão. 

Passar pelo puerpério é como ser atingida por um tsunami que inunda somente a sua casa, em meio a uma cidade que permanece inteiramente intacta. Ninguém parece entender porque muitas mães recentes se sentem tão confusas e inadequadas, se estão de licença-maternidade e “apenas” precisam cuidar de um bebê – e de si mesmas e da casa.

Quando minha primeira filha nasceu, no meio desse caos de esgotamento físico e confusão emocional, sozinha em mamadas sem fim, muitas vezes, recorria ao celular e às redes sociais para tentar fugir daquela situação e me conectar ao mundo lá fora. Mas logo percebi que o conteúdo que recebia ali não me fazia nada bem. 

Era só abrir qualquer rede social para ser inundada por imagens de pessoas extremamente felizes e bem-sucedidas em todos os aspectos da vida, o que me fazia sentir ainda mais perdida. Quando buscava alento em perfis sobre maternidade, onde imaginava encontrar empatia, caía em conselhos dogmáticos e impossíveis de seguir, que me faziam pensar que qualquer uma seria melhor mãe que eu.

Foi então que deixei o celular de lado e fui buscar minha maior companheira desde a infância: a literatura. Sempre gostei muito de ler e de escrever, mas isso parecia impossível no cotidiano maluco do puerpério. Até que percebi que poderia aproveitar as intermináveis horas de amamentação muito melhor lendo ou escrevendo do que rolando telas que me faziam sentir tão mal. 

Comecei a deixar livros e cadernos nos cantos onde amamentava e descobri neles um meio muito mais efetivo e gratificante de conexão, tanto com o resto do mundo, como comigo mesma, para além daquele novo avatar de mãe que parecia ser tudo o que os outros viam quando me olhavam.

Lia histórias de ficção, que tinham o poder de me transportar a outros mundos por um instante, relatos de pessoas de outras culturas, que me faziam pensar em outras formas de viver e buscava, especialmente, livros escritos por outras mulheres sobre suas experiências maternas – o que, na época, não era tão fácil de achar.

Escrevia o que me viesse à mente, contava sobre meu dia, desabafava e despejava no papel (ou no bloco de notas do celular, quando era noite) todas as minhas angústias e descobertas. Assim, fui elaborando e entendendo melhor o que sentia, quem eu era quem estava me tornando – afinal, assim como não se nasce mulher, também não se nasce mãe, torna-se. E podemos nos tornar muito mais do que isso.

Transformei uma parte mais poética desses escritos em livro: “poemas para Liz”, lançado pela Editora Arpillera este ano, em uma edição costurada à mão e com imagens de bordados sobre imagens de ultrassom feitos por mim. E assim, quando menos esperava, a poesia, que foi minha boia salva-vidas e meu refúgio em tantos momentos da vida, me salvou mais uma vez.

Por Bruna Escaleira*

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