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Existência, experiência e extensão: Mariana Basílio acerca de Tríptico Vital

A autora Mariana Basílio acaba de lançar seu novo livro Tríptico Vital pela editora Patuá. Poeta, tradutora e mestre em educação, apresenta poema longo em formato de Tríptico, onde três seções estão ligadas internamente.
Mariana foi uma das finalistas do programa de residência literária do Sesc de 2018. O projeto do livro teve inicio numa estadia da poeta na Casa do sol, onde fez uma residência colaborativa no sítio da poeta. Segundo ela seu livro destaca as etapas da vida – humana, animal. Início, meio e fim: uma tríade que foi nomeada como Tríptico, exatamente pela intenção de expor uma narrativa sobre a essência e a emancipação de nossa existência (origem e crescimento), experiência (individualidade e sociedade, envelhecimento) e extensão (vida-e-morte se entrelaçando em possibilidades abertas, juntamente com a presença da própria persona Morte. Ele concedeu a revista Ambrosia (A) uma entrevista onde falou sobre o projeto.
A: Nossa vida posta em quadro não seria um tríptico também? Pois estamos moldados ao nascimento (formação) vida (experiência) e morte. A existência humana não seria um grande painel tanto na parte individual como na coletiva?

A ideia do livro Tríptico Vital foi formada em 2014, quando realizei uma residência colaborativa na Casa do Sol de Hilda Hilst. Partiu da precípua de formar um projeto que destacasse as etapas da vida – humana, animal. Início, meio e fim: uma tríade, que foi nomeada como Tríptico, exatamente pela intenção de expor uma narrativa sobre a essência e a emancipação de nossa existência (origem e crescimento), experiência (individualidade e sociedade, envelhecimento) e extensão (vida-e-morte se entrelaçando em possibilidades abertas, juntamente com a presença da própria persona Morte). Portanto, o livro é uma tentativa de expor poeticamente ardores e trajetos num só poema longo.

Micheliny Verunschk analisou e apresentou muito bem a ideia da obra no texto de orelha: “(…) este poema de Mariana Basílio, Tríptico Vital, articulado em três painéis, Da Existência, Da Experiência e Da Extensão, é construído dentro da lógica que rege os estágios da vida de um ser humano em fricção com o mundo que o cerca, o mundo histórico, biológico, de conquistas e ruínas”. A existência é por aqui um assombro, porque somos e temos num estado latente, entre medo e coragem de viver e morrer. Uma das bases do livro foram as ideias do antropólogo Ernest Becker em seu premiado “A Negação da Morte” (Pulitzer de 1974).

Charlotte Perkins Gilman disse em certa passagem do livro O papel de parede amarelo: “Quando todas as outras coisas pareciam ameaçadoras demais, eu sentia que era sempre possível saltar naquela cadeira e me pôr a salvo”. A literatura realiza o inimaginável, o indizível, o que toca e não se entende também (e aí podemos entender a diferença entre fazer um poema e tornar aquilo realmente poesia – o mesmo vale para as outras artes).

Vivemos o nada e o tudo, é diário – finito e infinito nos percorrem o corpo e o sono. É preciso adentrar e é preciso saltar a obviedade cotidiana. É como eu digo no Tríptico Vital: “O que importa mais é como se / cortou a carne do fogo”.

A: Como foi montar cada parte do tríptico? Como fluiam as informações técnicas, a poética? Há uma liberdade sua em fazer voar a imaginação e a criatividade mesmo com as três partes bem fechadas no seu núcleo. Fale um pouco disso?

Primeiramente, começarei por uma curiosidade que já contei em outra entrevista: a primeira versão do Tríptico Vital, feita entre 2014 e 2015, era a de uma antologia de poemas. Estava com cerca de 50 poemas prontos, distribuídos entre as três partes, e imaginava escrever 33 para cada, quando percebi que apesar de gostar de uma parte do material, os poemas não traziam a ideia que eu imaginei sobre o projeto. Penso que só se escreve verdadeiramente sobre o que não se sabe e o que se passa a descobrir.
Octavio Paz dizia que “a poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono”. Eu concordo, e é uma máxima que me inspira e me responsabiliza como poeta. Para este meu terceiro livro, procurei transitar por um terreno que saltasse de qualquer obviedade poética, isto é, que adentrasse os escombros da criação para compreender novas reflexões e propor uma identidade singular e inédita. Quando recomecei a escrita do nada, descartando todos aqueles 50 poemas, não sabia que realmente seria um poema longo, foi algo que surgiu e eu senti que assim seria. Me pareceu na época uma nova espécie de escrita, e curiosamente, havia acabado de ler cronologicamente a poesia reunida do Ferreira Gullar e do João Cabral de Melo Neto. Ambos fizeram trabalhos estritamente singulares e compostos com rigorosidade, feitos com projetos bem planejados e executados, como a crítica e o público reconhecem nos livros “Poema Sujo” e “Morte e Vida Severina”. Ao mesmo tempo, eu conhecia na época “O Canto Geral” de Pablo Neruda, e “Os Cantos de Maldoror” de Lautréamont, assim como traduzia (ainda em desenvolvimento) uma antologia de poetas americanas do século XX, e iniciava a tradução de algumas poetas latino-americanas. Entre esses dois grupos, encontram-se: Alejandra Pizarnik, Denise Levertov, Edna St. Vincent Millay, Gabriela Mistral, May Swenson e Silvina OCampo. Ou seja, o Tríptico recomeçou em 2016, em uma das épocas de maior empenho nas letras, seja em minha formação como leitora, seja como autora (as duas estão imbricadas).

A escrita das três seções foi feita de forma cronológica, crescente, respeitando uma sequência que desenvolvi em meus blocos de papel (feitos de citações, planejamentos e de criação literária). Para cada seção, montei um objetivo central com alguns tópicos a serem respeitados. Logicamente, no caminho surgiram novos tópicos e alguns foram suprimidos, mas, no geral, segui toda essa ordenação. Outro traço importante da obra é a quantidade de citações de autores que adentram com suas vozes o livro, caso, por exemplo, de Allen Ginsberg, Alfred Tennyson, Dante Alighieri, Guimarães Rosa, Hilda Hilst, John Milton, Manuel Bandeira, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Sor Juana Inés de la Cruz, T.S. Eliot, entre outros. Ou seja, o livro é um esforço contente e terno, e traz ousadia. Ninguém o lerá numa tacada só, e nem em partes disformes, é preciso entrega, a mesma que eu procurei ter entre suas vias estreitas, mas de amplos horizontes.

A: Senti uma voz hilstiana fluindo em seus poemas, até por certas palavras que lembram a estética da poeta. Como foi pensar Hilda? Para escrever seu livro.

Não acredito que haja uma voz hilstiana em meu poema longo. Há a voz de Mariana Basílio. Cada escritora em seu terreno. O livro é minha homenagem para Hilda, e dedicado para ela por nossa similitude de temas, e pela descoberta do Ernest Becker (com A Negação da Morte) na Casa do Sol – um dos livros basilares do Tríptico Vital. Enfim, somos poetas que caminham por vias que procuram questionar, observar, emergir sobre o mundo e o além dele – em planos da natureza, da sociedade e da mistificação dos seres.

Construí o livro procurando cada vez mais me impor e expor a própria identidade poética. Logo, não foi pensando ou emulando Hilda que escrevi o Tríptico Vital. O livro é apenas dedicado a ela. Como a mesma Hilda dedicou cerca de 8 livros para o Ernest Becker: não eram sobre ele, ou à sua maneira, eram para ele – um diálogo, uma busca, um contato. Estamos com o mesmo caso aqui.

A: Você alterna focos narrativos no decorrer dos trípticos, descrevendo situações das religiões, fatos históricos, e referências à literatura. Como foi colocar estas passagens? Me pareceu pequenos mosaicos dentro do conjunto dos poemas.

Primeiramente, não são trípticos, é um tríptico só (formado pelas três seções do livro). A segunda seção, Da Experiência, é a que mais trabalha com alternação de narradores. Por ser uma seção que atravessa a vida individual e coletiva de nossa existência, surgiu a ideia de trazer nessa experiência as dores das passagens entre vida e morte do ser humano. Há alguns personagens que perpassam o eu-lírico principal (como Riobaldo e seu bando, do livro Grande Sertão Veredas, a mãe negra que tem o filho assassinado na infância, a menina judia assassinada num experimento nazista, o soldado homossexual morto em combate, o terrorista do Estado Islâmico em atentado que mata em nome de sua fé, etc.).

Como dito na pergunta anterior, tudo foi feito em uma sequência narrativa que criei a partir de um roteiro. Então estes “mosaicos” não são um conjunto de poemas, tudo é uma coisa só, e talvez a confusão – só tento imaginar – seja pela editora ter optado, em alguns momentos, pelo destaque gráfico de determinados versos no início das páginas, dando uma ideia de subtítulos, mas só.

Escrever uma narrativa em um poema longo foi sem dúvida um grande desafio, poético e literário. História de origem, meio e fim, repleta de vozes diferentes, que no fundo são seres dentro do nosso próprio ser – como é mesmo a nossa vida cotidiana, com notícias, parentes, amores, etc. O mesmo eu-lírico percorre o início e o fim do livro, refletindo as intempéries da tomada definitiva da consciência (quando nos tornamos adultos e observamos, e somos obrigados a ver, as mazelas que nos circundam enquanto sociedade), e de nosso envelhecimento, até o enfrentamento da persona morte.

Afinal, estar e ser é mesmo como dizia Herberto Helder:
“Por vezes tudo se ilumina. Por vezes canta e sangra”.

Mariana Basílio nasceu em Bauru, interior de São Paulo, em 1989. Escritora, poeta e tradutora. Mestre em Educação pela Unesp. Publicou os livros de poesia Nepente e Sombras & Luzes. Colabora em portais e revistas nacionais e internacionais. Com patrocínio do ProAC (2017) do Governo de São Paulo, publicou o poema longo Tríptico Vital (Patuá, 2018). O projeto também foi finalista do programa de Residência Literária do Sesc (2018). Mantém o site www.marianabasilio.com.br.
“Tríptico vital”
Autora: Mariana Basílio
Editora: (Patuá, 164 páginas)

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