Literatura

FLIP 2010: quando a literatura abriu espaço para a política

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A 9ª mesa da FLIP 2010 voltou-se para o Oriente Médio. Os escritores Abraham B. Yehoshua e Azar Nafisi falaram na mesa Promessas de um velho mundo sobre como a literatura poderia ser usada para mediar conflitos entre os países da região. A mesa foi comandada pelo escritor Moacyr Scliar, que acabou discutindo mais a política do que a literatura em si. Mas valeu a pena.

A conversa começou com Scliar convidando os autores a lerem passagens de seus últimos livros. Azar Nafisi abriu a leitura, com trechos de seu livro lançado mundialmente na FLIP, Coisas que Não Contei. A obra, como explicou o mediador, é uma espécie de continuação do grande sucesso da ex-professora da Universidade de Teerã que hoje vive nos EUA, Lendo Lolita em Teerã. Nos livros, Azar – que riu encantada com a piada que Scliar fez com seu nome – fala da vida no Irã, onde nasceu e país que teve de deixar depois de embates com as autoridades religiosas de lá.

Já Yehoshua começou lendo em hebraico um trecho de Fogo Amigo. Natural de Israel, o autor figura entre um dos mais importantes escritores do Oriente Médio. O livro lançado na FLIP pela Companhia das Letras também é um foca na cultura, só que da dos judeus e israelenses. Como ressaltou Scliar, os escritores tem muito em comum por retratarem experiências que viveram nos países em que nasceram, além de compartilharem grande conhecimento literário.

Sobre a literatura, Yehoshua falou que ela, hoje, perdeu seus princípios morais. Segundo ele, a literatura não é mais um guia para decisões, apenas lança histórias que não fazem as pessoas pensarem sobre questões morais. Ele afirma que há pontos que fizeram os escritores deixarem de abordar esses assuntos, e os leitores estão acostumados a procurar respostas para suas questões morais na mídia e na lei. Para o escritor, a literatura deveria resgatar essa abordagem que foi deixada de lado.

Depois, a conversa se estendeu para a política. Regiões de conflitos tanto religiosos quando de territórios, era impossível deixar de lado assuntos referentes à cultura e governos de Israel e, principalmente, do Irã. A questão sobre o perigo que há na literatura abordada na mesa O Livro: Capítulo 1, voltou a ser pauta, com Azar Nafisi fazendo a seguinte pergunta referindo-se ao autor Salman Rushdie, também presente na FLIP: “Por que um homem que não tem armas, apenas palavras, tem que ser morto? Que poder tem essas palavras para fazer um chefe de estado decretar a sua morte?”. O comentário se referia ao livro Os Versos Satânicos, de Rushdie, que seria o “motivo” de o aiatolá Ruhollah Khomeini, líder do Irã em 1989, condenar o escritor.

Sobre isso, Yehoshua cita a história bíblica de Caim e Abel, alegando que uma pessoa, ao ver Caim matando Abel e sendo “promovido” por Deus, vai desistir de continuar a leitura, ou então seria influenciado de forma negativa pela interpretação que se dá ao texto. Para ele, livros assim seriam sim perigosos, pois “a literatura tem poder para mudar o conceito moral para pior, não só para melhor”.

Teve início uma discussão sobre os abusos das leis do Irã, onde Nafisi criticou o líder Mahmoud Ahmadinejad e suas práticas contra os cidadãos. Moacyr Scliar levantou o debate sobre o apedrejamento Sakineh Ashtiani, acusada de adultério, cujo caso recebe críticas de todos os países e mobiliza discussões sobre sua liberdade. Azar Nafisi colocou o presidente Lula no debate, falando de suas declarações sobre o caso de Sakineh. “Lula disse para o seu ‘amigo’ Ahmadinejad: ‘se essa mulher está lhe importunando, deixe-me levá-la para o Brasil’. Mas não é ‘essa mulher’ quem está importunando. É Ahmadinejad!”, declarou a autora. Ela completa falando que se todos os problemas se resolvessem exilando as pessoas, 80% da população do Irã teria de vir ao Brasil.

As críticas de Nasafi ao governo iraniano foram o ponto alto dessa mesa, onde a literatura ficou em um plano escondido, mas tendo sua importância. A mesa serviu de convite para aqueles que não conhecem as obras de Azar e Yehoshua a se interessarem pelos seus livros, procurarem uma visão de quem vive no Oriente Médio procurando ter uma perspectiva fora do que a mídia noticia. Como Nafisi declarou, ao pensar no Irã, não vem na cabeça do estrangeiro a imagem de um grupo de meninas lendo Lolita. Seus livros mudariam essa concepção e ensinariam muito mais sobre essa região tão conflituosa.

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