Quando os Rolling Stones anunciaram, meio que de surpresa, que lançariam um novo álbum (com aquela “pegadinha” de anúncio em jornal impresso como se fosse um anúncio de uma vidraçaria), as reações mais naturais foram: como e por quê? Como porque já são dois senhores oitentões – Mick Jagger completou oito décadas em julho e Keith Richards sopra oitenta velinhas em dezembro -e um já se encaminhando (Ronnie Wood tem 76); e por que pelo fato de com seis décadas de sucessos nas costas, eles não precisam mais se provar. Essa é uma tarefa para o The Struts, o Måneskin e o Greta Van Fleet. Só que, segundo os próprios, fazer shows sem um disco para divulgar, apoiando-se apenas no novelo de clássicos estava deixando os senhores preguiçosos, e a incômoda zona de conforto os levou de volta ao estúdio.
“Hackney Diamonds” é o primeiro disco de inéditas dos Stones desde “A Bigger Bang”, de 2005. Nesse meio tempo gravaram duas músicas inéditas para a coletânea “GRRR!” de 2012, que comemorava o cinquentenário da banda, um disco (excelente) apenas com covers de blues, “Blue & Lonesome” voltando a ser aquela banda de bar do início da carreira, e a inédita ‘Living In A Ghost Town’, que depois serviu como trilha da pandemia. E aí veio a curiosidade: como as pedras vão rolar exatos sessenta anos após sua estreia com The Rolling Stones. A resposta? Como eles mesmos, e muito. Só que ao mesmo tempo, renovados, por mais paradoxal que pareça.
E como se não bastasse o simples fato da maior banda de rock do mundo estar colocando músicas inéditas na praça, eles ainda trazem participações especialíssimas, para reforçar ainda mais o hype em torno do lançamento. Já havia sido revelada a faixa ‘Sweet Sounds of Heaven’, que traz Lady Gaga “duelando” vocais com Mick Jagger e Stevie Wonder no piano (soando como Billy Preston). Seguindo a cartilha gospel de ‘Y’ou Can’t Always Get What You Want’, ‘Gimme Shelter’ e ‘Shine a Light’, não só é uma das faixas mais inspiradas do álbum como é uma das melhores músicas dos Stones em 40 anos. O esperado crossover Beatles e Rolling Stones se dá em ‘Bite My Head Off’, que traz uma participação de Paul McCartney no baixo. Pesada, tem uma pegada quase punk. Ao mesmo tempo apresenta elementos de ambas as bandas. No entanto, o baixo de Paul acabou ficando abafado em meio a efeitos distorcidos. Pode decepcionar quem esperava que o encontro rendesse uma obra-prima do rock, mas é uma faixa despojada e é possível sentir o clima de diversão que provavelmente marcou as gravações.
Esse é o primeiro álbum após o falecimento do baterista Charlie Watts. No entanto suas baquetas estão presentes em duas faixas, uma vez que ele deixou gravações de 2019. A primeira, ‘Mess It Up’, acena para a fase anos 90 e um refrão que remete à incursão na disco com ‘Miss You’, do álbum “Some Girls” de 1978. Já ‘Live By The Sword’, além da bateria de Watts temos o baixo de Bill Wyman. É o retorno da cozinha clássica dos Stones e a volta da configuração em quinteto depois de 32 anos. E ainda traz Elton John no piano, contribuindo com um bem-vindo molho rockabilly.
O primeiro single do disco, ‘Angry’, é também o que abre os trabalhos e funciona melhor dentro da costura do álbum do que isoladamente. A letra um tanto desleixada e o excesso de produção deixaram muitos fãs com desconfiança em relação ao que seria apresentado, mas se for analisar, é uma típica música dos Rolling Stones dos últimos 25 anos. E não é demérito. A escolha dela como carro-chefe faz sentido, pois é a que mais tem potencial de cativar os não iniciados e fãs mais casuais.
É bem verdade que esse trabalho exalta o passado glorioso mirando especialmente nos anos 70. ‘Get Close’ acena para ‘Can’t You Hear Me Knocking’, de “Sticky Fingers”, de 1971, assim como ‘Depending On You’ carrega uma certa semelhança com ‘Sway’, do mesmo disco. É a balada romântica, mas que pertinentemente exala uma maturidade, afinal de contas, trata-se de dois senhores de 80 anos compondo. A letra diz “Now she’s givin’ her lovin’ to somebody new/I invented the game, but I lost like a fool/Too young to die/Too old to lose”, refletindo sobre os perigos que a paixão oferece mesmo a uma certa altura da vida. Já ‘Dreamy Skies’, influenciado fortemente por Hank Williams (que é citado na letra), remete claramente a ‘Sweet Virginia’, de “Exile On Main St.”
‘Whole WIld World’ e ‘Driving Me Too Hard’ podem ser consideradas faixas “filler”. A primeira é a que mais tenta imprimir modernidade no disco, enquanto a segunda apresenta um riff na introdução que soa como ‘Tumbling Dice’, mas a música no todo tem clima de “Voodoo Lounge”. ‘Tell Me Straight’ é a música de Keith Richards no vocal, e é uma balada inspirada. ‘Rolling Stone Blues’ é o epílogo. Um cover de Muddy Waters, encerrando o álbum lembrando de como tudo começou, inclusive de onde veio o nome da banda.
O produtor Andrew Watt mostrou disposição pra colocar os Stones soando contemporâneos, mas sem perder a identidade, em prol de uma sonoridade up-to-date, ou soarem como covers de si próprios. Trabalhando com a banda que vinha de uma parceria de 29 anos com Don Was, ele entendeu a proposta e fez apenas os tratamentos necessários. Em diversos momentos ele emula a sonoridade dos discos dos anos 70, e fez questão de ter a banda tocando ao vivo no estúdio. A intenção era que o álbum soasse da mesma forma que as apresentações ao vivo, inclusive o posicionamento da banda era o mesmo do palco.
“Hackney Diamonds” mostra que o segredo dos Rolling Stones para estarem sempre se revigorando é justamente não esquecer seu legado. São sessenta anos de carreira e ouvindo o novo trabalho é difícil pensar em fim, que vai chegar, é claro. Mas enquanto eles brincam de driblar a passagem do tempo, deixam a gente sonhar com a eternidade.
2 Comentários