Era 1995, por volta de maio para ser mais exato. Começava a ser executada nas rádios rock do país, como a rádio 89,1 de São Paulo e a Rádio Cidade do Rio, uma música que misturava rock pesado com vira português. Ouvindo com atenção, a música tinha uma letra quase impublicável sobre uma discussão de um casal após ter participado de uma suruba. a letra, na verdade, era inspirada em uma piada do humorista Costinha, presente no álbum O Peru da Festa 2. Muita gente achou engraçado, inusitado, mas ninguém calculava que aquela banda chamada Mamonas Assassinas seria o primeiro (e maior) fenômeno do pop rock brasileiro dos anos 90.
A década avançava em direção a sua segunda metade e ainda não havia surgido nenhuma banda ou artista que mobilizassem a mídia. O panorama do BRock naquele meio de década era de um lado os medalhões dos anos 80 gozando do status de dinossauros consagrados apesar de não estarem lançando trabalhos brilhantes – como Lulu Santos, Titãs, Barão Vermelho – e do outro bandas e artistas em ascensão como Skank, Cássia Eller e Raimundos, ou colocados na categoria cult, como Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S.A. Mas nada que se comparasse, por exemplo, ao estouro da Blitz, 13 anos antes. E assim como a banda carioca que, precedida pela Gang 90, deflagrou de vez a onda roqueira no país como um movimento coeso, os paulistas de Guarulhos também apostavam na irreverência como principal ingrediente. Uma irreverência mais escrachada, é bem verdade.
A fórmula dos Mamonas consistia em um humor ácido, mas proferido de forma pueril que amenizava o conteúdo e de quebra atraía as crianças, que acabaram se tornando seu principal público. Algumas letras como ‘Chopis Centis’ e ‘1406’ lançavam um olhar cínico e crítico sobre o cotidiano do brasileiro médio habitante das grandes metrópoles naqueles anos 90. Outras como ‘Sabão Crá Crá’, ‘Robocop Gay’ e ‘Mundo Animal’ eram pura bobagem, mas de uma anarquia tão genuína, que pode até ser comparada aos punks em 1977. Além dessa desconcertante mistura de um humor acintoso como o do Casseta & Planeta, com as travessuras ingênuas como as do Chaves e do Chapolin – cuja indumentária era reproduzida como figurino nas apresentações – os rapazes ainda se mostravam bons músicos.
Bento Hinoto (Alberto Hinoto) era um guitarrista de técnica apuradíssima, os irmãos Samuel e Sérgio Reolli (Samuel e Sérgio Reis de Oliveira) formavam uma eficiente cozinha e Júlio Rasec (Júlio Cesar) dava toda a graça com o seu teclado executado propositalmente para soar como de músico de barzinho. E apesar dos figurinos ridículos e das palhaçadas, Dinho foi alçado a galã, como Paulo Ricardo nos anos 80. Toda menina em 95 queria ser “pitchula”, apelido popularizado na música ‘Pelados Em Santos’, que era a forma cairinhosa como ele chamava uma namorada dos tempos anteriores à fama.
Inclusive, após à morte do grupo houve troca de farpas entre Mirella Zacanini (a “pitchula” da música) e a “viúva” Valéria Zoppello, e a animosidade entre as duas foi amplamente explorada em programas dominicais da época, que desconheciam a definição de bom gosto. E ambas capitalizaram sobre a memória do cantor; Mirella lançou livro sobre sua vida com ele e Valéria, além de várias entrevistas, ensaios fotográficos e propaganda, posou nua para a revista Sexy oito anos depois, em 2004.
No segundo semestre de 1995 os Mamonas eram o maior nome midiático do Brasil. Eram presença constante em programas de TV, o disco vendeu 1,5 milhões de cópias em três meses (depois chegou a três milhões) e os shows lotavam e demandavam datas extras. Nada parecia parar aquele quinteto, justamente por isso a notícia daquele fatídico acidente aéreo na madrugada do dia 2 de março de 1996 na Serra da Cantareira em São Paulo (a banda voltava de uma apresentação em Brasília) custou algumas horas para que fosse assimilado como fato. Muita gente não acreditou, achou que fosse piada. Demorou para que caísse a ficha da perda do maior fenômeno pop nacional daquela década e de que as crianças perderam seus super-heróis.
A morte dos Mamonas precipitou uma vertente pop que já estava pronta para estourar na esteira deles: o pop besteirol. Visando preencher a lacuna, vieram os Virgulóides (do ‘Bagulho no Bumba’), o palhaço Tiririca, hoje deputado federal, e o Baba Cósmica, a banda de Rafael Ramos, filho do diretor artístico da EMI. Ele ouviu a demo dos rapazes e implorou para que o pai os contratasse. A música ‘Sábado de Sol’ era do Baba e os Mamonas a gravaram em gratidão.
Hoje é irresistível imaginar o que teria acontecido se, por um milagre eles tivessem escapado do acidente. Por quanto tempo se manteriam no topo? Estariam juntos até hoje? Teriam se separado e se reunido agora para comemorar os vinte anos de carreira? O que se sabe é que mesmo os sucessores dos Mamonas não conseguiram reproduzir o impacto deixado por aquela Brasília amarela que, a despeito dos que apostavam se tratar de febre passageira, virou ícone popular nacional indelével. E de pensar que tudo começou de maneira séria quando a banda se chamava Utopia e se inspirava em Titãs, Legião Urbana e Guns N’ Roses.
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