Fishman – terceiro espetáculo do Grupo Bagaceira estreia no CCBB

“Quando duas pessoas se encontram, quantas pessoas se encontram?”, pergunta um dos personagens ao outro, entre reflexões costuradas em um cenário que, por si só, já vale a pena o espetáculo.

Questões como essa compõem Fishman, a terceira peça que o Grupo Bagaceira apresenta nessa temporada de repertório no CCBB em comemoração aos 15 anos do grupo, que vem de Fortaleza e já nos apresentou Interior e A Mão na Face. Dessa vez, o elenco é composto por Ricardo Tabosa e Rogério Mesquita, e a excelente direção está a cargo de Yuri Yamamoto, que também dirigiu os outros dois espetáculos exibidos no CCBB. O texto é de Rafael Martins, que também escreveu os espetáculos anteriores.

No palco, temos dois homens cara a cara, tentando estabelecer um diálogo que possa contornar um hiato entre eles. Todavia, não é fácil contornar um hiato, não é fácil estabelecer um diálogo, não é fácil construir um abraço. Eles se perguntam, o tempo inteiro, o que são, quem são, no que se tornaram e, principalmente, o que é isto que está acontecendo entre eles, com eles: um hiato, um diálogo, um abraço que não se conclui, um reencontro há muito desejado, um reencontro difícil de vivenciar, o que eles constituem juntos? Esse difícil diálogo que os protagonistas se esforçam em manter vai levando a plateia a entender, aos poucos, o laço que os une e os eventos que os afastam. A angústia é a tônica desse encontro.

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A peça merece nota máxima nos quesitos cenário e figurinos, de Yuri Yamamoto, e iluminação, de Tatiana Amorim. A imagética que o espetáculo constrói capta o espectador, que fica encantando diante da beleza e da experiência que o Grupo Bagaceira proporciona ao público. É possível dizer que Fishman é quase uma instalação que envolve a plateia do início ao fim.

O texto, apesar de bons momentos e questões que, aqui e ali, contribuem para a reflexão do espectador que, de fato, presta atenção ao que é dito, é que poderia ser um pouco mais assentado numa história mais bem estruturada. O que quero dizer com isso exatamente? É claro que Fishman e seu texto não procuram a linearidade tradicional de início, meio e fim e isso não é problema. Há uma busca de inovação que merece aplauso, e a experimentação que ora testemunhamos é uma qualidade a ser apontada, tanto quanto as indagações existenciais que nele encontramos.

No entanto, a não-linearidade do texto e a experimentação que lhe é própria ficariam mais bem acabadas se colocadas, tal como objetos, sobre uma paisagem textual com contornos mais precisos. Os personagens talvez pudessem ser um pouco mais ancorados em histórias pregressas que nos unissem a eles, que fortalecessem a identificação (ou o afastamento, por que não?) com as suas características e suas vivências. É como se estivessem um pouco soltos nos eventos que os acometeram. Quem são, exatamente, esses homens que se encontram e cujo mal-estar é colocado diante de nós? Não sabemos, ainda que nos contem coisas e nos participem de seu destino. Talvez por isso haja certo descompasso entre o envolvimento (inescapável) que a fascinante estética da peça proporciona e o envolvimento (frágil) provocado pela construção textual.

A peça fica em cartaz até 15 de novembro no Teatro III do CCBB, de quarta a domingo.

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Ficha Técnica

Texto: Rafael Martins
Direção: Yuri Yamamoto
Assistência de direção: Rafael Martins
Elenco: Ricardo Tabosa e Rogério Mesquita
Colaboração artística: Juliana Galdino
Cenário e figurinos: Yuri Yamamoto
Iluminação: Tatiana Amorim
Técnica: Rafael Martins e Yuri Yamamoto
Interlocução artística: Georgette Fadel e Grace Passô
Produção: Rogério Mesquita
Produção executiva: Mikaelly Damasceno

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