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A Mão na Face, espetáculo do Grupo Bagaceira, traz um diálogo intimista e cheio de beleza entre um travesti e uma prostituta

O inventário que podemos fazer de nossas vidas, de nossas quase-vidas, do que queríamos e do que deixamos de querer, aquele inventário que nos remete às memórias que preferíamos ofuscadas, esse tipo de inventário às vezes é melhor que ocorra nos intervalos rápidos, entre as cenas, entre as linhas, entre uma respiração e outra, para que seja breve e o mais indolor possível. Assim é com este A Mão na Face, o espetáculo lírico e intimista que o Grupo Bagaceira, de Fortaleza, traz para os palcos do CCBB e que nos faz querer conhecer mais esses personagens que estão tirando suas máscaras diante de nós.

Démick Lopes e Marta Aurélia encarnam lindamente os protagonistas dessa peça: Mara, a prostituta cansada de si e de seus shows, retorna do palco, e Gina, a travesti que faz dublagens e tenta contornar certa ansiedade que se traduz na preocupação com a cor do batom, vai entrar em cena em breve. Entre um show e outro, no camarim, Mara e Gina podem conversar um pouco sobre seus desejos e frustrações, sobre seus medos, e até se perguntam sobre o que é a vida, afinal. Eles têm lembranças, podem rir de si mesmos, são obrigados a encarar os espelhos e não sabem bem se querem continuar onde estão. Mas ignoram se há outra alternativa.

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Marta Aurélia é cantora e atriz, convidada do Grupo Bagaceira, e consegue construir sua personagem com o peso que Mara parece carregar de uma vida que tomou rumos dos quais não se orgulha, apesar de manter “algum respeito” por si mesma. Ela demonstra que está vacinada pela vida, que não chora fácil, que tem verdades a dizer, mas também é passível de desmontar. Mara tem “raiva de quem não sabe se defender”. Démick Lopes, por sua vez, também tem êxito em construir a sua Gina com a leveza de quem ainda pode mudar alguma coisa, de quem tem “boa vontade com a vida”, apesar de andar na linha tênue, escorregadia, entre a esperança e a melancolia. Entre passado e futuro, experiência de vida e esboço de sonhos, eles compartilham esse presente dolorido.

Yuri Yamamoto, responsável pela delicada direção e pelo cenário, figurinos e iluminação, nos presenteia, conferindo brilho visual ao belo texto de Rafael Martins, que, por sua vez, faz também a assistência de direção. O jogo entre o cenário, intimista como o texto e a relação entre os personagens, e a iluminação, que direciona seu foco de luz a determinadas partes e trocas, como se só pudesse iluminar, separada e muito cuidadosamente, cada trecho de alma que eles resolvem expor um ao outro, fazem o contraste com os gestos e as maquiagens que precisam tapar o que jaz escondido no catálogo de frustrações de Gina e de Mara. É preciso garantir a mescla de intimidade e exuberância, dor e alegria, vontade de seguir em frente e de desistir. A Mão na Face é uma beleza só, do início ao fim, e fica em cartaz no CCBB de 7 de outubro 25 de outubro, de quarta a domingo.

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Ficha Técnica

Texto: Rafael Martins
Direção: Yuri Yamamoto
Assistência de Direção: Rafael Martins
Elenco: Démick Lopes e Marta Aurélia
Música Original (Versos Espertos): Ayrton Cesar e Rafael Martins
Cenário, figurinos e iluminação: Yuri Yamamoto
Técnica: Yuri Yamamoto
Maquiagem: Denis Lacerda
Cenotécnica: Josué Rodrigues
Aderecistas: Diego Salvador e Denis Lacerda
Produção: Rogério Mesquita

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