Mad Men revisita o glamour e os fantasmas dos anos 60

“Você está sozinho?” pergunta uma voz feminina a um homem que bebe desacompanhado. Assim termina a quinta temporada de Mad Men, série dramática que narra o cotidiano ébrio, esfumaçado e sexista dos publicitários da Madison Avenue na Nova York da década de 60.

O homem no caso é Don Draper (Jon Hamm), sócio e diretor de criação da fictícia agência, inicialmente batizada de Sterling Cooper, que está sempre acompanhado por álcool, cigarros, mulheres e fantasmas internos.

O pano de fundo político-cultural dos anos 60 é fielmente retratado, atuando como um chamariz para aqueles que não viveram a década e têm curiosidade em saber como era a sociedade americana dos anos 50. Uma época que foi marcada pelo pós-guerra e pelo moralismo e conservadorismo do American Way of Life.

Abraçou novas ideias como a cultura beatnik, o movimento hippie e o rock’n’roll, onde minorias ganharam voz e os negros estavam sendo liderados por Martin Luther King.  As mulheres começavam a entrar numa segunda onda feminista e tudo isso reverberava em todos os lados.

Durante as temporadas (atualmente Mad Men está no ar em sua 6º temporada) o espectador assiste ao assassinato de John Kennedy e de Martin Luther King.

O mérito da série está na apresentação de seus personagens. Em uma análise primária e superficial, todos se encaixam nos clichês publicitários – o executivo de contas, homem engomado sempre focado no dinheiro; a secretária administrativa, mulher que faz da sua beleza a sua função, o sócio diretor, empresário grisalho em meio à crise de idade, cercado de dólares e mulheres, mas cujo melhor amigo é o divã; o diretor de criação, o topo da hierarquia criativa, que seduz a todos com a sua mente brilhante.

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Apesar de estereotipados, os personagens estão longe de ser previsíveis. A cada temporada o espectador é surpreendido com reviravoltas na trama e desvenda os problemas pessoais e familiares que levam a formação de um quadro psicológico de cada tipo.
Ao longo da série descobrimos que por trás do mulherengo Don Draper, há uma criança órfã e rejeitada e um sobrevivente de guerra, e que a voluptuosa e irresistível Joan Holloway (Christina Hendricks) na verdade é uma mulher solitária e abandonada
A escolha dos atores também corrobora o sucesso do seriado. Jon Hamm, o homenzarrão dono de uma beleza clássica dos machos alfas da Golden Age de Hollywood, como William Holden, legitima a figura sedutora de Don Draper. Hamm faz de seu personagem um homem sisudo a frente dos negócios, mas nem tanto em relação à instituição familiar. Sedutor incorrigível, Don não sabe lidar direito com seus sentimentos e fantasmas do passado.

A atual senhora Draper, Jessica Paré, resgata uma beleza afrancesada como a de Anouk Aimée. Ela é bilíngue e com o charme da língua, protagoniza uma cena que já entrou para os anais da televisão. No aniversário de Don, em seu apartamento luxuoso no meio do céu de Manhattan, Megan seduz o marido e os convidados com a performance da música Zou Bisou Bisou.

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A direção artística de Mad Men é feita com primor. A caracterização dos cenários e dos personagens é marcada pela autenticidade à década de 60, o que deu a série diversos prêmios. O mérito da figurinista, Janie Bryant, que se diz se inspirar em ícones como Grace Kelly e Sophia Loren, está em compor um visual que vai ao encontro do estilo da época e da personalidade do personagem.

O corpo curvilíneo, o cabelo ruivo alaranjado de Christina Hendricks, o sutiã pontudo, as roupas em blocos de cores poderiam culminar em uma mulher caricata e vulgar, mas ao contrário, formam uma imagem poderosa e que impõe respeito à  secretária Joan Harris.

A receita de sucesso está nas mãos do produtor Matthew Weiner, roteirista da premiada série Os Sopranos, que dá a luz a personagens que a priori se afastam do público, pela sua beleza e figurinos e pelo contexto em que estão inseridos, mas que se aproximam por meio de seus demônios internos, análogos ao do homem contemporâneo como o medo da violência, a pressão para ser bem sucedido, o vazio existencialista, os dilemas familiares e a necessidade de afirmação e de autoestima.

Utilizando os jargões publicitários, Mad Men triunfa, pois a embalagem e o produto são de qualidade. É muito mais do que um rostinho bonito.

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Comentários 1
  1. Realmente o Don foi um personagem que ganhou uma dimensão enorme com as seis temporadas, saindo de um personagem caricato para um retrato mais verossímel do ser humano que ele representa.

    Essa foi uma série que demorou para me pegar, mas hoje acompanho com afinco. E a sexta temporada tá muito boa!

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