"Caça-Fantasmas" poderia ser ótimo, mas fica no meio do caminho – Ambrosia

“Caça-Fantasmas” poderia ser ótimo, mas fica no meio do caminho

Na atual febre de continuações/remakes/reboots/etc que assola Hollywood – não por falta de idéias novas, mas de coragem dos estúdios em arriscar – dois filmes se destacaram por motivos antagônicos: “Star Wars: O Despertar da Força” e a nova encarnação de “Caça-Fantasmas”. O primeiro, quando teve seu trailer divulgado, gerou um imenso hype na internet com reações positivíssimas. Enquanto o segundo, que marca o retorno da Sony ao universo dos dedetizadores de fantasmas em Nova York (agora com um time feminino) amargou opiniões negativas quando sua prévia foi divulgada, batendo recorde de rejeição no Youtube: 507,995 unlikes,  ultrapassando com folga os 20 mil do último “Quarteto Fantástico”. Isso pode ser explicado: nem todo clássico/cult do cinemão precisa ser revisitado, justamente porque alguns são produtos muito genuínos de uma época. Nesses casos, os fãs antigos querem guardar o original na memória afetiva, e a nova geração talvez não se importe em se introduzir naquele universo.

“Os Caça-Fantasmas” é um exemplo perfeito, assim como “De Volta Para o Futuro”. Só que Robert Zemeckis e Bob Gale já garantiram que não haverá continuação, remake ou reboot, pelo menos enquanto estiverem vivos, o que deve ter deixado os executivos da Universal Pictures bastante desolados. Já a Sony, que detém pleno controle sobre sua franquia oitentista, ávida por ressuscitá-la, passou por cima desse princípio e talvez pague um pouco caro. “Caça-Fantasmas” (Ghostbusters, EUA/2016) não chega a ser de todo ruim, mas desperdiça uma chance de ouro de ser uma ótima releitura, e fica apenas pelo meio do caminho.

Na trama, Erin Gilbert (Kristen Wiig) e Abby Yates (Melissa McCarthy) são duas autoras anônimas, que, no passado, escreveram em livro uma postulação de que fantasmas são reais. Hoje, Gilbert goza de um respeitável cargo na Universidade de Columbia , mas seu livro reaparece e o meio acadêmico a hostiliza. Desprestigiada e intrigada com os indícios de atividades paranormais em Manhattan, ela chega a Yates, que continua no ramo sobrenatural, agora com a engenheira nuclear Jillian Holtzmann (Kate McKinnon). A elas se une uma trabalhadora do metrô, Patty Tolan (Leslie Jones), e, juntas, precisam lidar com uma ameaça maior do que se acreditava.

Bastante familiar, não? Pois, ao contrário de “Star Wars” e “Jurassic World”, que, apesar dos muitos paralelismos com suas matrizes, funcionam como continuações-reboot, “Caça-Fantasmas” se configura como um clássico remake, trocando apenas o sexo dos protagonistas. Tanto que não há nenhum elo ou menção aos eventos vistos nos dois filmes anteriores. Há referências e participações especiais de atores do elenco original, mas eles não retornam aos seus papéis, não temos aqui uma passagem de bastão. Contudo, poderia sim ter dado muito certo. As quatro atrizes são ótimas, carismáticas e possuem bom timing para a comédia. Apesar de ser dirigido por um homem, em momento algum ele cai na armadilha do sexismo, ou de estereótipos femininos ou feministas.

Paul Feig já havia dirigido Melissa McCarthy em “A Espiã Que Sabia de Menos”, “Missão Madrinha de Casamento” e “As Bem-Armadas”, e certamente foi escolhido para a função por seu currículo de comédias protagonizadas por mulheres. O único deslize no que tange a conceito de personagem talvez seja Patty, que não escapa do lugar-comum dos personagens negros nas comédias, sempre retratados como o representante “das ruas”. Já o “Thor” Chris Hemsworth está impagável como o secretário louro-burro das meninas, versão acéfala de Janine, e rende algumas das (poucas) boas piadas do filme (outra, talvez a melhor, é uma brincadeira com o QG de trinta anos atrás e a especulação imobiliária de Manhattan).

Os efeitos especiais evocam o clima dos anos 80, evitando o impulso virulento do CGI ostentação, e, com isso, proporciona um charmoso clima retrô à trama, acenando (assim como o original) aos filmes de terror B. O 3D usado segue a regra de parque de diversões, arremessando gosma (ou melhor, ectoplasma) na cara do espectador, proporcionando até alguns sustinhos em alguns momentos. Mas infelizmente esses pontos positivos não têm força suficiente para neutralizar os incômodos defeitos.

As piadas, em sua maioria, são óbvias, infantiloides e sem graça, se afastando do sarcasmo e humor negro do primeiro filme, que o segundo já não tinha mais. Também é possível sentir, o tempo inteiro, o peso da mão do estúdio sobre o script (assinado por Feig e Katie Dippold) e a trôpega edição, tudo para articular a coisa do jeito mais comercial possível. Nem as referências e as aparições do elenco original podem ser consideradas um grande acerto, pois, embora arranquem um sorriso dos lábios dos fãs antigos, são gratuitas, mal amarradas e não acrescentam nada à trama. Mesmo a participação de Bill Murray, que dos decanos é o que tem mais tempo em tela, não se justifica muito. Isso sem contar com a “ameaça fantasma” que consegue ser mais insossa do que a da parte 2. Ivan Reitman, diretor dos dois primeiros, assina a produção executiva, mas, claramente, apenas para “agregar valor” à produção.

Por fim, se “Caça-Fantasmas” é um longa aquém do que poderia ter sido, não se deve, de forma alguma, atribuir isso ao fato de ser protagonizado por mulheres, e nem mesmo à direção de Feig, que, embora engessada, se esforça para emular o espírito do clássico de 84. Mas sim ao fato de ter sido maquiavelicamente moldado pelos produtores, visando um retorno financeiro fácil e indolor. Ainda que se torne um enorme sucesso de bilheteria, esse filme deveria fazer os estúdios repensarem de que forma e até que ponto vale à pena trazer de volta uma franquia do passado. E, aos fãs antigos, é indicado que esperem a cena pós-créditos. Se haverá de fato uma continuação, como dá a entender, que seja com a dignidade que a série merece.

Filme: Caça-Fantasmas (Ghostbusters)
Direção: Paul Feig
Elenco: Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Leslie Jones, Kate McKinnon
Gênero: Ação, comédia, ficção
País: Estados Unidos
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Sony Pictures
Duração: 1h 56min
Classificação: 10 anos

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