O teatro musical tem sido um desafio cada vez mais audacioso para a dramaturgia do gênero brasileiro. Quanto mais prolífero o mercado se torna, mais isso fica claro. Mas o panorama é promissor. Pelo menos, tecnicamente, nota-se uma evolução animadora. Chacrinha – O Musical demonstra essa faceta. Mas reforça também algumas costumeiras debilidades. Com texto de Pedro Bial e Rodrigo Nogueira, direção musical e arranjos de Delia Fisher e direção geral de Andrucha Waddington, a grande produção retrata a vida do Velho Guerreiro desde a infância do Nordeste até o estrelato num dos programas mais importantes da TV brasileira, o Cassino do Chacrinha.
Vividamente interpretados pelos atores Léo Bahia e Stepan Nercessian, o mito televisivo já trazia em si uma anarquia vibrante que refletia o trabalho que o personalizaria. Andrucha se valeu disso para emoldurar seu retrato espetaculoso, marcando assim sua estreia teatral.
A cenografia de Gringo Cardia denota uma exuberância para além do ilustrativo, procurando complementar a alegoria do paradoxo de Abelardo Barbosa (muito claro no contraste buscado em momentos pessoais e dramáticos da vida do biografado). Assim como o figurino inteligentemente solar de Claudia Kopke, um belo exercício de precisão em meio a tanto caos visual (principalmente na demarcação do primeiro ato). Tantos predicados técnicos não conseguem escamotear as debilidades artísticas que permeiam sua duração.
Primeiro, o roteiro de Bial e Nogueira não consegue dar uma linearidade plausível ao contexto paradoxal de seu protagonista, tanto que a estrutura de consciência é totalmente anti-climática no todo. Até mesmo a direção de Waddington, que se revela assertiva em muitos momentos – principalmente na acepção do gênero com auxílio da coreografia de Alonso Barros (num trabalho bem melhor do que o feito em Se Eu Fosse Você – O Musical) mas deixa perceber algumas falhas cênicas, como nas entradas da tal consciência, artifício dramático muito mal arregimentado no palco, com entradas (sem iluminação específica) frias e sem a dissociação onírica que a cena exigia.
Fazer do repertório clássico de seus programas a linha narrativa da história, nem é um má ideia, entretanto, a direção musical (e o roteiro) banaliza o “conceito” com equívocos claros de tom na narrativa. Mas a galhofa retratada, tão representativa de Chacrinha, é a grande virtude do espetáculo. Sua capacidade de envolver pela memória afetiva e absorção de todo aquele nonsense, se revela bem sucedida quando nos distanciamos diante daquilo que o fez o nome que (ainda) é: o ópio do povo.
Comente!