Ver um filme que é parte de uma franquia sem ter visto seus predecessores é como pegar o bonde andando: você sabe que perdeu um pouco do caminho, mas no final ainda chega a seu destino. Curiosamente, é dentro de um bonde que pela primeira vez interagem dois personagens importantes de “Detetive Chinatown: O Mistério de 1900”, o quarto filme de uma franquia que funciona maravilhosamente bem sozinho, por ser o primeiro ambientado no passado.
O contexto em 1900 era a Rebelião dos Boxers na Ásia e um profundo sentimento anti-chinês nos Estados Unidos. Por um lado, uma sociedade secreta chamada Boxers se rebelava na China contra a dominação estrangeira no país. Por outro lado, nos EUA, doenças, crimes, extorsão e assassinato são o que um congressista declara que se espalharão com a migração dos chineses – é o “Perigo Amarelo”.
Num trem para San Francisco chega o detetive Qin Fu (Liu Haoran), que aprendeu o ofício com o melhor detetive do mundo. Os chineses da cidade esperavam por Sherlock Holmes, mas vão ter que se contentar com seu pupilo. A missão de Fu será provar a inocência de Bai Zhenbang (Zhang Xincheng), filho de um magnata local, que está preso acusado de matar com requintes de crueldade uma moça branca e um chefe indígena. Concomitantemente, desembarca nos EUA o chinês Mestre Fei, enviado da Imperatriz Viúva.

Assoberbado pela magnitude do caso que tem de investigar, Fu tenta fugir, mas apenas encontra Ah Gui (Wang Baoqiang), filho adotivo do chefe indígena assassinado, com sede de vingança. Eles formam uma curiosa dupla dinâmica, com Gui representando a sabedoria vinda da natureza e Fu usando de vez em quando suas “pequenas células cinzentas”, para tomar emprestada uma expressão de outro grande detetive da ficção, Hercule Poirot.
É clara a alusão à recente onda de xenofobia que os orientais vêm enfrentando, sobretudo após a pandemia de coronavírus. Também não são nada sutis os discursos e faixas nos protestos que reúnem multidões pedindo que os chineses vão embora para “fazer a Califórnia branca novamente”. O filme relembra que são os imigrantes, no caso chineses, que ficaram com o trabalho duro, pesado, e assim construíram um país fazendo o que o homem branco não se considerava digno de fazer.

A China é um mercado que já não pode – se é que algum dia pôde – ser ignorado. Este “Detetive Chinatown: O Mistério de 1900” já é a terceira maior bilheteria global de 2025, tendo arrecadado até o momento quase 500 milhões de dólares. Se é interessante para a China exportar seus filmes, como maneira de exercer o soft power na dominação cultural, é também interessante exportar filmes para a China – como acaba de acontecer, com a estreia de “Ainda Estou Aqui” em milhares de salas de cinema da superpotência.
De longa duração, os 135 minutos nos reservam uma trama complexa, sem contudo cair na armadilha de diversos plot twists que mais confundem e enganam que entretêm – estou me referindo a outra estreia recente, direto no streaming: “Outro Pequeno Favor”. Por outro lado, não podemos deixar de criticar o uso de brownface, com um ator chinês com maquiagem pesada interpretando um indígena retratado de maneira estereotipada. Mesmo assim, é possível se divertir com este filme ágil, divertido e bem-sucedido.
NOTA 7 de 10