Festival do Rio: "Mil Vezes Boa Noite" e o conflito de escolha entre a guerra e a família

Festival do Rio: "Mil Vezes Boa Noite" e o conflito de escolha entre a guerra e a família – Ambrosia

Mil Vezes Boa Noite, de Erik Poppe, é um filme denso. Retrata o drama de Rebecca (Juliette Binoche), uma respeitada fotógrafa que cobre situações delicadas em zonas de conflito de guerra. O filme se inicia com a sua participação em uma preparação para um ataque terrorista. Ela acompanha todo o processo e o ritual em que uma mulher é vestida com bombas que serão detonadas em um centro movimentado. Rebecca, munida de sua máquina fotográfica, testemunha as etapas delicadas que levarão à morte de dezenas de inocentes, e seu trabalho é documentar, através das fotografias, essa e outras situações limítrofes. Seu trabalho é de alto risco e após viver um acidente e a quase-morte, volta para casa, onde encontra o marido e as duas filhas, que, por sua vez, convivem com a constante ameaça de morte de Rebecca, uma vez que seu trabalho implica risco permanente.
Aí temos o drama de Rebecca, interpretado de forma magistral por Juliette Binoche. O marido Markus (Nikolaj Coster-Waldau, que vive Jaime Lannister, de Game of Thrones) não suporta o medo e a instabilidade constantes, além da responsabilidade com as duas filhas, que vivem o clima psicológico de iminente perda da mãe. A filha mais velha, adolescente, é mais consciente do perigo presente no trabalho de Rebecca e vivencia certo abandono repetitivo, dado que, por estar sempre viajando nem sempre sua mãe pode estar presente em aniversários e outras datas comemorativas. Mas Rebecca escolheu a fotografia como modo de expressar a sua raiva e chega a dizer, em certo momento do filme, que a fotografia foi o que a salvou. Além disso, junto à adrenalina que seu trabalho necessariamente envolve, há também sua função social, a crença de Rebecca de que está fazendo algo pelo mundo, de que está participando o mundo do sofrimento existente em áreas distantes que vivem a violência, a dor e a perda habitualmente. Há também a cobertura de um campo de refugiados no Quênia e o momento crítico de um massacre, que Rebecca, por opção, escolhe documentar, o que acaba detonando uma crise familiar ainda maior após sua volta para casa.
O conflito pessoal de Rebecca (ela deve optar entre o bem-estar psicológico da família e um trabalho que a torna útil e que lhe traz realização pessoal) é o que norteia a história. A maternidade e a família não conferem a ela o sentido de sua vida, mas ausentar-se de sua responsabilidade de mãe e presenciar a crise que sua família vivencia é tão massacrante, psiquicamente falando, quanto os conflitos sociais que presencia e registra em países distantes. Ela não pode mudar o mundo, através de suas fotografias, mas pode não se eximir de suas contradições. No entanto, a que preço? Eximindo-se de sua própria vida pessoal?
O filme aborda a sutileza de um drama psicológico e familiar que vai se tornando cada vez mais denso, além das mudanças psicológicas que vão acontecendo na protagonista. É um filme que se sustenta do início ao fim, mantendo a tensão tanto dos conflitos objetivos vividos em zonas perigosas, quanto dos conflitos familiares vividos na suposta tranquilidade de um lar normal.

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