Como a morte de uma pessoa querida pode afetar a dinâmica de uma família? E mais, como a culpa – seja ela justificada, ou não – por um evento como esse pode afetar a vida dos envolvidos? Alguns vão se concentrar no trabalho, outros em si mesmos, e alguns vão simplesmente fugir da dura realidade e se confinar em seus mundos. “Uma Viagem Extraordinária” – novo trabalho de Jean-Pierre Jeunet (principal atração do “Festival Varilux de Cinema Francês 2014”) aborda tudo isso e mais um pouco.
Baseado no livro “O Mundo Explicado por T.S. Spivet”, de Reif Larsen, o filme conta a história de T.S. Spivet (Kyle Catlett) que vive com a família em um rancho isolado, em Montana. O pai (Callum Keith Rennie), é um aficionado pelo Velho Oeste e cowboys; a mãe, Dra. Clair (Helena Bonham Carter), é uma entomologista que só pensa em suas pesquisas e experimentos; a irmã, Gracie (Niamh Wilson), só pensa em si mesma e em sua carreira artística; o cachorro Tapioca (que também é o nome da produtora de Jean-Pierre); e seu irmão gêmeo (dizigótico), Layton (Jakob Davies), que morre em um trágico acidente. Superdotado e apaixonado por ciência, T.S. inventa a máquina do movimento perpétuo – o que o faz receber um prêmio de prestígio. Sem dizer uma palavra à família, ele parte em uma viagem para atravessar os Estados Unidos – a bordo de um trem de carga – para receber o Baird Award na prestigiada Universidade Smithsonian. Mas o que ninguém imagina é que o premiado é um garoto de 10 anos de idade que carrega um enorme segredo – T.S. se sente responsável pela morte do irmão.
Mais uma vez, Jeunet consegue nos trazer um filme encantador. Com roteiro assinado por ele e por Guillaume Laurant (que trabalha com o diretor desde o filme “Ladrão de Sonhos”), o filme é de uma delicadeza ímpar, lembrando em muitos aspectos o já clássico, e adorável, “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. A fotografia é outro trunfo de Jeunet que, mais uma vez, mostra um trabalho primoroso na utilização das cores. Assim como em todos os seus filmes, a trilha sonora – assinada por Denis Sanacore – também é bem trabalhada e foge dos clichês hollywoodianos, pois, ao contrário do que normalmente acontece, ela não nos força a sentir determinadas emoções, mas sim complementa todo o trabalho realizado no filme. Assim como em “Amélie”, o diretor manteve o uso de efeitos especiais – como inserir animações no meio das cenas. Aliás, o filme tem uma construção que lembra Amélie em vários aspectos – até Jeunet reconheceu isso durante a Masterclassrealizada em São Paulo no último dia 08 de abril -, tais como o trabalho com as cores, a interação das animações com os atores em algumas cenas, além de a história ser centrada em um personagem chave e retratar o modo como ele se relaciona com o ambiente à sua volta. Enquanto Amélie Poulain era tímida e introvertida (e por isso temia se relacionar com outras pessoas), T.S. se culpa pela morte do irmão e pensa que este era mais amado do que ele é, e chega a questionar sua mãe dizendo que ela não é mais como antigamente. Embora tenha sido filmado originalmente em 3D, a experiência em 2D não deixa a desejar.
Uma grande (e boa) surpresa é o estreante Kyle Catlett, que mostra uma profundidade e qualidade de atuação passíveis de fazer inveja a muitos artistas veteranos. Helena Bonham Carter mantém sua característica excentricidade (exigida pela personagem), mas sem exageros. O que a permite interpretar uma Dra. Clair excêntrica, mas, ao mesmo tempo, sensível – e que chega a comover em algumas cenas. Niamh Wilson traz o lado cômico da família, com sua Gracie mimada e “burra”. Callum Keith Rennie (das séries “Battlestar Galactica” e “Californication”) faz um bom papel como o pai que vive isolado da família após a perda do filho. Agora, quem realmente dá um show é Judy Davis como a cômica e atrapalhada G.H. Jibsen, a diretora da Univerdade Smithsonian que quer fazer fortuna às custas do talento de T.S.
Vontade de correr pro cinema =]