Penélope Martins se define escritora e narradora de histórias, mas antes de tudo sou uma leitora apaixonada por incentivar novos leitores. Sobre a relação de seu nome e sua escrita ela conta: “minha mãe foi quem escolheu meu nome, Penélope, uma sina de tecelã que já acompanhava a tradição de uma avó, tricoteira, costureira, a espera ficou minha ancestralidade na outra avó, cercada por sete filhos. imagem da aldeia da pedra. Talvez tenha sido por tudo isso que muito cedo resolvi escrever poeminhas no caderno pautado, depois na Olivetti ( prenda pelo meu aniversário de 15 anos)”. Lançou recentemente seu livro Que Culpa é Essa, pela editora Patuá. Confira a entrevista concedida à Revista Ambrosia.
Ambrosia: Sua poética tem uma liberdade para dizer pensamentos, discursos, mas elas não afetam tanto aqueles “ismos” que são as construções da teoria, da doutrina. Você percorre, por exemplo, uma prática feminista sem ser doutrinadora, porque sua casa é da linguagem do afeto por pessoas. Vi questões binárias sobre homens e mulheres mas a tua escrita é tão polimórfica que estas questões não passam por um partidarismo. Ou passa? Como você vê esta colocação minha?
Penélope Martins: Curiosamente, uma leitora levantou uma questão parecida sobre minha poesia, porém erguendo uma ponta de dúvida sobre a minha colocação frente à condição da mulher. Eu fico aqui pensando, cá com meus botões invisíveis, e acho que de fato eu me importo com a condição humana muito mais que qualquer coisa.
O machismo não direciona a minha poesia, nem minha posição política contra o machismo. Mas é inegável eu questiono todos os dias essa estrutura social e isso aparece no que eu escrevo. Por vezes eu me sinto uma mulherzinha, ainda mais quando eu me deparo com a fragilidade da vida. Digo mulherzinha assim como penso que homenzinhos passam por mim pelas ruas. Basta um golpe (e aqui há uma referência também ao que sofremos enquanto Estado pseudo Democrático), e caímos estatelados. Somos muito frágeis. Isso me interessa o tempo todo, permear as palavras de afeto pela percepção de algo que nos é comum e que nos torna iguais de alguma forma.
Sigo escrevendo muitas vezes contra a violência sofrida por mulheres, crianças, velhos, gays… Mas me recuso a pensar em combater a todo e qualquer homem. Eu tenho homens que eu amo e que me oferecem amor. Isso me enche de esperanças. Meu partido talvez seja a dignidade da pessoa humana.
A: Sua precisão com imagens que vão se aglutinando, fundindo-se em percepções sensoriais e filosóficas, me deixou sem ar. O trabalho estético com as palavras Kamadeva, e a forma de performar isso em um poema é muito bonito plasticamente. Como é seu processo de iniciar um poema, são imagens? Uma primeira palavra? Uma afetividade à flor da pele?
Penélope: Kamadeva é uma imagem da mitologia indiana. Devo muito ao que aprendi com Yoga. A partir de novas percepções com esse conhecimento, comecei a abandonar o conceito binário de bem e mal, a educação cristã que moldou minha ideia de virtude. Aceitei que muitas vezes eu não sou o bem que desejam que eu seja. Mas sigo improvisando uma forma de seguir a vida ferindo o mínimo possível.
Acho que eu tenho visões para alguns poemas. Eu sonho muito. Acordada, inclusive. Muitas vezes o poema aparece no meio disso. Eu guardo uma ou duas palavras e escrevo depois. Na maioria das vezes eu abandono a ideia no ar, e tenho certeza que outra pessoa ou outras pessoas são atingidas pela mesma visão…
A: Chamou a minha atenção um certo dedo na ferida completamente bem colocado dos comportamentos abusivos (assédios) feitos por homens contra mulheres, crianças. Como você trabalhou estas situações nos poemas?
Penélope: Eu fui vítima de comportamento abusivo e isso bastaria para que eu pudesse ter voz na questão. Mas, para além disso, percebi em mim um poder curativo quando comecei a me perguntar as razões de ter me exposto ao abusador… Por que confiar tanto no outro e abandonar a si mesma, a si mesmo? Acho que tenho vontade de escrever para alimentar almas. Assim como quando conto histórias, toco as pessoas ou mantenho o olhar fixo em seus olhos. Sinceramente, posso ser uma boba, mas tenho convicções na bobice.
A: Teus poemas partem muito do que é corpo humano, biológico, quando trabalhados na afetividade que muitas vezes é tão distorcida do ponto de vista que deveria ser da interação harmônica e compartilhada. Como você trabalha o corpo através da linguagem/palavra?
Penélope: Essa é uma outra coisa importante pra mim: o corpo, o biológico. Não é por acaso que meu primeiro livro publicado, “Poemas do Jardim”, foi fruto de meses de contemplação em parques públicos, olhando formigas, cigarras, sapos, agapantos… Acho que a a gente aprende muito estendendo o olhar sobre a natureza, e o corpo é o natural, não é mesmo? Quer dizer, pode ser bem natural, não fosse tanta prisão sobre o corpo. De toda forma, no fundo, ou nem tão no fundo, eu quero aprender a me libertar, a viver consciente de que a perpetuidade de uma espécie não interessa se ela é letal, destrutiva, calcada no ódio. Tento me conectar com essa ideia de ser natural porque a natureza não ofende.
De uma lucidez apaixonante. Assim e Penélope Martins