Como fazer arte em tempos tão sombrios? Como manter a poesia viva e expressiva em meio à tempestade que nubla as histórias do futuro? As respostas não estão à venda, mas diversos artistas estão ativando suas sensibilidades para nos ajudar atravessar a tormenta. O El Efecto, banda carioca com mais de 16 anos de existência e militância na cena independente, lança neste dia 25 de julho, oficialmente, o dia da mulher negra latino-americana e caribenha, o clipe de “Carlos e Tereza”, como mais uma tentativa de dar forma às potências estéticas de enfrentamento, tão necessárias num momento tão regressivo da história do país.
O clipe homenageia Carlos Mariguella e Tereza de Benguela, duas figuras emblemáticas do combate às violências do dinheiro e dos palácios ao longo da formação do Brasil. Mariguella era político, parlamentar, guerrilheiro e poeta. De energia incendiária e inteligência exuberante, era homem de pensamento e de ação, agressivo e amoroso, e provavelmente o maior revolucionário da história do Brasil. Já Tereza, era rainha, escravizada que se libertou e tornou-se a liderança sofisticada e guerreira do quilombo de Quariterê, no Mato Grosso do Sul.
Tanto Carlos quanto Tereza enfrentaram o que há de mais atrasado no Brasil. Opuseram-se ao arbítrio e tombaram na luta transmitindo impulsos de força e coragem aos que vieram depois. Ele, como militante antifascista desde 1930 e posteriormente guerrilheiro comprometido com a derrubada da ditadura empresarial-militar de 1964. Ela, como alguém que construiu uma alternativa ao holocausto da escravidão colonial brasileira na figura do quilombismo, transformando os instrumentos de tortura que roubava em armas para criar uma das primeiras experiências de liberdade nas Américas.
Assim como “Carlos e Tereza”, o clipe do El Efecto saúda também Marielle Franco, militante dos direitos humano e parlamentar vítima da violência política associada à ascensão da extrema direita no Brasil contemporâneo. No clipe, a banda apresenta um pagode baiano com clima de samba exaltação em que a educação pública (considerada como “gasto” pelos liberais e como “balburdia” pelos reacionários), a arte e o povo organizado em sua multiplicidade e ocupando as ruas da cidade em festa interrompem a marcha insensata dos jagunços do caos que nos empurram cada vez mais para o abismo.
A canção “ Carlos e Tereza” integra o elogiado “Memórias do Fogo”, disco lançado pela banda em 2018 que já nasceu clássico, sendo aclamado de imediato pelos fãs e pela crítica. Sem tempo para ter medo, o EE reposiciona Carlos Mariguella e Tereza de Benguela como nomes de ruas, em substituição aos milhares de bandeirantes, ditadores e escravocratas que batizam espaços públicos pelo país. Assim, a música, em sua comunicação poderosa, assume o contorno de um verdadeiro desejo de liberdade e dissidência, que evoca a memória de todas insurreições populares que aqui ganharam vida.
Numa esquina emocionada da luta, agora mais urgente do que nunca, “Carlos e Tereza” ajudam a manter vivos no imaginário comum cenas de generosidade e resistência. Em meio ao avanço real da noite escura provocada pela aliança entre capitães do mato e banqueiros de rapina, a música ilumina o gatilho para o mais minúsculo gesto de recusa e o mais gigantesco movimento de protesto. Sem ser sisuda ou pretenciosa, a lírica de revolta do El Efecto é uma obra coletiva cada vez mais afiada. Como um prego que confronta o movimento hieraquizante do martelo, olhando o poder de frente, e ecoando com som e fúria os nomes de Carlos, Tereza, Marielle, Darcy, Luiz, Dinalva, Joaquim, Luiza, Francisco, Virgílio, Gregório, Margarida e muitos outros. Para eles, nunca, o silêncio.
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