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Olhares & Observações: Religião

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Sejamos francos, um mundo de fantasia padrão é extremamente artificial, muito pouco é pensado em relação as relações sociais de trabalho ou classe, condições políticas, o conceito de direito ou livre arbítrio, regimes de verdade ou historicidade, a religião, e uma série de outras questões. Nessa última é bastante possível que se você não for Clérigo ou Paladino ela nem apareça para seu personagem.

O primeiro problema, essas religiões não são formadas em aliança com os conceitos estruturais que fundaram a sociedade, ou seja, em um mundo de D&D religião é um conceito distinto, que apenas faz parte da cultura, raramente o vemos como algo que demarca a mesma. Afinal, quase todo mundo de fantasia se utiliza de um cenário baseado remotamente em nossa Europa Ocidental (mais específico a Europa anglo-franco-saxã, raramente são problematizados os lugares como a Ibéria e a Itália) que era em números absolutos Cristã. E isto diz muito sobre a mesma, é bastante provável que sem o cristianismo o mundo nunca chegaria a ver uma idade média, e é importante pensar o quanto dessa estrutura sócio-política deve a essa tradição.

Eu seria um completo idiota sem noção de História (que é efetivamente onde repousa meu terceiro grau) se fosse afirmar que a Idade Média só existiu por causa do Cristianismo, veja bem, não é isso que estou dizendo. Meu ponto é que a própria identidade de uma Europa naquela época repousava principalmente em duas coisas, o cristianismo e a herança do Império Romano (que abarca a primeira). Para falar um pouco mais sobre isso, peço um espaço antes de entrar no RPG per se, para que eu possa mostrar como estes dois fatores essenciais (romanização e religião) modificaram a forma constituinte de estados próximos: os Reinos Ibéricos e os Reinos de França e Inglaterra.

Cláudio, Imperador que Conquistou a Britânia
Cláudio, Imperador que Conquistou a Britânia.

É impossível falar das diferenças entre as monarquias anglo-francas com as Ibéricas sem mencionar a idade antiga, e a romanização seria o ponto chave deste conceito. No caso Ibérico por exemplo, a Península foi conquistada muito cedo, logo que se cessou a segunda Guerra Púnica (202 a.C.) e ouve um amplo movimento migratório de veteranos do exército que receberam como butim terras cultiváveis no local. Logo, a província se tornou extremamente urbanizada, sendo a terceira maior de toda a república (estava apenas atrás da Itália e do norte da África) até a sua dissolução no final do Império Romano Ocidental. Isso por si só já implicaria em um grande grau de diferenciação entre os dois modelos e podemos somar também que a aceitação e a proliferação da cultura Romana entre os celtibéricos, sofreu muito menos resistência do que entre os gauleses e os britânicos.

A Gália só viria a ser conquistada no ano 50 antes da era comum, quando César terminou sua campanha contra a Liga de Vercingetorix, 150 depois da conquista Hispânica e muito mais sangrenta do ponto de vista dos nativos (pois a luta ibérica se deu contra os invasores cartigeneses), o mesmo ocorreu na Britânia que foi invadida por Cláudio no ano 45 já da era comum, e que só foi finalizada na construção da Muralha de Adriano em meados do ano 125, quando se separou a província romanizada da “bárbara” Caledônia (hoje, Escócia).

Isso tudo implica dizer que tanto a França, quanto a Inglaterra foram menos atingidas pela romanização e conseqüentemente permaneceram mais ligadas as suas raízes culturais. Esse quadro se torna ainda mais demonstrativo quando das invasões dos séculos IV ao VI d.C. pois estas regiões foram profundamente modificadas com as chegadas dos Francos e dos Saxões. A província Hispânica não ficou ilesa e foi conquistada pelos Vândalos e um pouco depois pelos Visigodos. Entretanto, o mais importante, vindos do norte da África através do estreito de Gibraltar, tivemos a chegada dos povos árabes que também eram profundamente urbanizados e que tinham uma ligação muito forte com a cultura greco-romana.

Chegamos agora a parte relevante dessa pequena dissertação em um lugar errado (uma coluna de RPG), onde podemos descrever duas diferenças notáveis entre os Reinos consolidados no Medievo. A religiosidade e a legalidade. Discutiremos os mesmos em separado.

Clotaire II, Rei dos Francos 584 - 629 d.C.
Clotaire II, Rei dos Francos 584 – 629 d.C.

A religiosidade é congruente aos dois processos políticos, ou seja para ambos os modelos seus Reis são divinos. O que significa dizer que a base de seu sistema é a divinização do Monarca. Entretanto, é importante ressaltar as diferenças sobre a forma como esta “divindade” é colocada sob os mesmos. O Rei de Castela, por exemplo, nas fontes sobre sua pessoa, nos mostra que em seu reino os reis existem através de uma lógica mais naturalista, ele é uma ferramenta tanto para deus (“os santos disseram que o rei é senhor colocado na terra no lugar de Deus”) quanto para os homens (“que é o senhor e a cabeça de todos do reino”) tudo em nome da justiça “que é a vida e o mantimento do povo do seu senhorio”.

Já na sagração do Rei da França podemos observar outro tipo de visão, onde a igreja cumpre um papel muito mais central, pois o Rei é o centro de um processo religioso, ele não é o que guarda a justiça, ele não é um “dos que mostraram os santos” mas o próprio santo. Podemos até mesmo afirmar que na França a figura real não é um representante de Deus em meio aos homens e sim uma figura ainda mais divina, um rei “que resplandece diante de todos os outros reis do mundo”, ele é em si próprio um “deus”, um santo que é ungido de forma sagrada e por isso conserva poderes miraculosos. Em sua sagração ele é atado aos processos religiosos em voga no momento, ele deve caçar hereges como um dever Real. Um processo semelhante ocorre na Monarquia Inglesa, e como muito bem atestado por March Bloch em seu “Os Reis Taumaturgos”, a única prova real de autenticidade dos monarcas anglo-francos era sua capacidade de realizar milagres.

Falando sobre a legalidade vemos também uma enorme discrepância. O Rei Ibérico é um Rei legalista, toda sua instituição está baseada sobre o cultivo das leis, ele deve ser justo, ele é um mediador entre os homens e assim o é por que ele deve ser bom, humilde, temente a deus e submisso as leis do mesmo, deve se resguardar da soberbia e da luxúria, em suma deve ser um exemplo do próprio cumprimento destas leis. A monarquia Ibérica deveria ser em tese baseada na justiça antes de qualquer coisa e as leis seriam o melhor meio de aplica-las. Com a monarquia francesa vemos outro quadro, o Rei está acima de tudo, se as pessoas reclamam por justiça, isto é um pecado, se falam mal do Rei, isto também é pecar pois em sua figura repousa “as ordens de Deus”. As fontes sobre esta monarquia nada mencionam a respeito de uma busca por justiça e apenas falam da grandeza do Rei frente as cruéis conseqüências de não adora-lo.

Meu ponto aqui, é que ainda que os graus de Romanização (e com ela, urbanização, acesso a cultura, filosofia e etc) foram essenciais para a formação de todos os Reinos Medievais Ocidentais, a base da mesma, era a religião cristã. Era isso que em grande parte dava coerência a esta estrutura. Quantas vezes vemos em uma campanha de fantasia qualquer Rei que tenha uma dessas duas associações com o divino? Partindo de um exemplo mais rápido, para não ficar apenas no nível da realeza, a própria estratificação social durante a idade média, e a aceitação da condição de servo, não são igualmente solidificadas pela relação religiosa? E onde eu queria chegar é, como um mundo de fantasia medieval é capaz de se apropriar destas estruturas e relegar o que é grande parte o cal que as une, no caso o Cristianismo. Afinal, qual é o problema de se desenvolver uma religião que seja verossímil com o mundo que esteja sendo desenvolvido na fantasia. O fato é o politeísmo destes cenários soa completamente supérfluo e artificial, e mesmo que seja uma opção pela diversão adota-lo por que nunca faze-lo direito?

Por que raramente não vemos os PCs normais (sem ser clérigos ou paladinos) se digladiando em questões de fé? Até por que, vale dizer que para 98% desses mundos é praticamente impossível ser ateu, já que os deuses são reais e palpáveis e freqüentemente aparecem nas mesas.

Estátua de Zeus, Mármore do século II
Estátua de Zeus, Mármore do século II.

O segundo problema das religiões de fantasia medieval é seu aspecto generalizante, aquela coisa completamente inverossímil de um mundo possuir um panteão de deuses (mesmo quando a coisa é tipo Dragon Lance, com nomes diferentes e jeitos diferentes em cada cultura) que é extremamente forçado. Não existe real opção de credo em um mundo desses onde os deuses não são questão de fé, é apenas de preferência. Ter um deus nesse tipo de mundo é como existir em uma sociedade de consumo divino, já que tudo que as pessoas parecem fazer é escolher um para adorar. Tudo funciona em uma sistema de troca por beneficio, “eu vou em dado templo, por que lá eles fazem magia de cura”. Ou “esse deus é melhor por que ele me dá acesso a esse tipo de efeito específico”. Se não bastasse essa incoerência de religião universal, ainda temos de lidar com jogadores que dizem “ah, eu não ligo para esse, esse aí não é o meu deus, eu rezo é para Tarquisis”. Pombas! Ele é um deus! Mesmo em sociedades politeístas isso nunca seria verdade, até por que não existe tal coisa como domínios estabelecidos de cada deus.

Na religião Grega por exemplo, cada objeto/região/emoção pode ser ligado a qualquer deus dependendo do ponto de vista que você observar, essa coisa de Ártemis é deusa da caça e Apolo é do Sol é uma grande, grande ignorância, até por que estes deuses não entidades únicas e coesas. Com um mesmo gesto eu podia agradar Zeus Páter e ofender Zeus Olímpio ou Zeus Aguioxoio. E o pior que a maior parte das religiões de Fantasia parecem ter na religião Grega a sua inspiração, quando a sociedade em nada se parece com aquela. Mesmo tendo esta crença como base para seu politeísmo a religiosidade “fantástica” abandona completamente o sentido que esta dava a vida de seus cidadãos. Toda atividade era medida em termos de sagrado e profano, e isso escapa completamente.

O problema dessa religião artificial é que ela só é pensada nos aspectos mínimos, e fica ali parecendo uma coisa débil, que ninguém se deu o trabalho de aprofundar. Onde estão os ritos diários de todos os personagens? Onde estão os debates sobre pontos de vistas religiosos entre PCs normais? Onde está a fé? Ah, isso eu já cobri, a fé não existe no mundo por que os deuses são sólidos.

Mas então como mudar? O primeiro passo na minha opinião tem que vir do narrador. Está com preguiça de bolar uma estrutura religiosa do zero? Copie uma funcional, leia um bom livro sobre algum fenômeno religiosos semelhante ao seu, estude, é importante lembrar que se você deseja ser um bom narrador, é necessário estudar sobre os temas das histórias que você pretende narrar (troque a porcaria do livro de regras por um bom livro de História, ou de antropologia, ou de psicologia, depende da crônica). Bem, se ainda sim você não quiser, por que o RPG é apenas uma diversão de fim de semana e você não tem muito tempo útil a perder (por que raios você leu esse artigo até aqui afinal????), faça o seguinte, use a religião em sua narração como algo crível.

Quando os PCs entrarem em uma cidade, faça-os passarem por uma procissão, descreva os templos com minúcias, mostrando nos desenhos nas paredes, fragmentos de histórias que são sussurradas aos ouvidos pelos sacerdotes. Descreva os ritos que os NPCs executam e as superstições que eles tem. Faça da religião algo polifônico e pessoal, com pessoas do mesmo templo tendo idéias diferentes sobre religiosidade. Mostre os sacerdotes preocupados quando a colheita do ano foi ruim, pensando que tipo de oferenda ou sacrifício seria funcional para aplacar a fúria do Deus. Em suma, coloque-a em evidência na crônica.

Ateísmo na idade média???
Ateísmo na idade média???

E claro, existe agora o lado dos jogadores (e eu estou assumindo nesse artigo que você leitor sente falta de um papel mais importante que a religião deve representar no mundo que você criou ou joga), peça para os mesmos conversarem sobre seus credos, descreverem sua visão do mundo. O que eles acreditam que fez o mundo ser como é hoje? Como será a vida após a morte? Esse tipo de questão. Lembre que os deuses estão sempre presentes (mas são efêmeros e insondáveis) e que existem coisas que são consideradas profanas (atravessar um riacho a noite por exemplo, pode ser uma supertição comum na vila dos personagens), elas não precisam ser lógicas. Coloque a fé deles tanto em estima, reforçando-a, quanto em cheque, abalando-a. É importante que eles desenvolvam uma relação com a própria fé. Mas claro é necessário se manter atento de que eles estejam sendo coesos com o cenário que você formulou.

Eu lembro que certa vez, narrando uma mesa de Dark Ages: Vampire em pleno século XII, eu tinha um jogador que disse que o personagem dele era ateu. Eu vetei essa idéia, já que seria impossível conceber esse pensamento nesse período, sem contar o fato agravante que ele era… bem descendente de Caim e amaldiçoado por Deus. Já não deixaria se ele fosse humano, mas sendo vampiro, é simplesmente impossível, numa época que esse tipo de mito ainda não era ridicularizado. Enfim, depois de alguma conversa ela entendeu que poderia diminuir o peso da religião para seu personagem, colocando uma série de elementos novos. Contatos com outras formas de religião, como o Islamismo, a leitura constante dos clássicos gregos e etc. É difícil mas o narrador deve prezar pela coerência de sua história ao mesmo tempo em que oferece ao jogador opções satisfatórias para esse tipo de problema. Nunca mais o jogador teve de se incomodar com a religião cristã, em contrapartida ele passou a representar uma série de aspectos novos e filosofias que de certa forma preenchiam aquele vácuo. O importante é fazer com que o jogador note que o vácuo existe, que existe uma demanda para esta esfera da religião na vida de todas as pessoas, mesmo que seja, sem nenhum problema, para nega-la. Ninguém é completamente niilista e não acredita em nada. Há sempre algo para se segurar, e isso geralmente pode ser a religião, mas muitas vezes pode ser a ciência, ou a própria vaidade.

Enfim, meu ponto é, explore essa parte do seu cenário, traga profundidade aos seus personagens ao defronta-los com esse tipo de questão, e claro divirta-se e aprenda no processo.

Tenham um bom jogo.


Bibliografia:

AYMARD, A. Roma e seu império. São Paulo: Difusão Européia, 1984.

BLOCH, Marc. Os Reis Taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio – França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1999

GUADALUPE, Maria. História da Idade Média. Textos e testemunhas. São Paulo: Editora da Unesp, 2000

MENDES, Norma. Repensando o Império Romano. Rio de Janeiro: Mauad, 2006-10-02

RUCQUOI, A., “De los reyes que no son taumaturgos: los fundamentos de la realeza en España”, Relaciones, 13:51, 1992, 55-100.

Segunda Parte da Coluna

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16 Comentários

  • Excelente artigo, Velloso. Fez-me lembrar uma velha aventura de GURPS(que teve resultados pífios, admito), em que tentei enfatizar os papeís sociais de um mundo medieval de fantasia. Os Halflings eram camponeses, como sempre. Os Elfos eram a protoburguesia nascente nas cidades e Hansas [regiões comerciais]. Meio-anões (?!, sim criei um híbrido de humanos e anões) ficavam na casta sacerdotal de Krios, o Único e Verdadeiro Deus. E os Humanos eram a aristocracia reinante.
    Mas, e o papel dos assim chamados “hereges”? Os trangressores padrão de uma sociedade religiocêntrica como é a medieva? Sabe, os magos, os adeptos de crenças obscuras, os filosofos naturais (creio que era assim que os “cientistas” se consideravam, embora o conceito de ciência, como o conhecemos, não existia).

  • O problema é pensar que estes magos e cientistas naturais não tenham religião. A magia clássica hermética não é necessariamente incongruente com o pensamento religioso, muito pelo contrário, assim como a filosofia natural. Não havia um, entre os grande cientistas do renascimento que não acreditasse em deus, por exemplo. Ainda sim, devo enfatizar que minha relevância no artigo é dimensionar essa qualidade no “efêmero” dentro da personalidade humana. Então mesmo o herege ou o cientista natural são seres religiosos, mesmo que a sua religião vá contra aquela que é tida como verdadeira pela maioria.

  • Muito bom o artigo. É sempre bom ver alguém trazer referências históricas e de outras disciplinas do conhecimento para enriquecer
    o RPG. Gostei muito do que você disse, apesar de que alguns erros, ou simplesmente esquecimento de algumas letras, prejudicaram em parte a leitura.
    O único problema para isso tudo é que, grande parte dos jogadores de RPG não são historiadores, ou não conhecem História, e não se preocupam nem um pouco com questões desse tipo. Interessante o fato de você ter problematizado coisas que numa mesa parecem ser simples de ser feitas, como se bastasse dizer, tá tudo bem, acredito em Khalmyr, pronto, agora deixa eu bater no Orc.
    Para mim, a classe mais problemática de todas, para se interpretar é o paladino.O jogador tem que ter em mente que a vida de um, se assemelha a de um santo, com muito mais restrições do que vantagens. Para mim é como se você decidisse ser padre: você vai abdicar de milhares de coisas e poder fazer quase nada em contrapartida. É uma vida sem luxo, restrita, penosa, sem regalias ou caça à tesouros.
    Parabéns novamente.

  • Huum, o Paladino pode ser compreendido dentro do arquétipo de São Jorge, mas eu não diria que ele leva uma vida tão dura assim. Seguindo os dogmas e restrições de sua divindade favorecida, este cavaleiro andante realiza milagres e tem permisão para fazer justiça, de acordo com sua visão de fé sobre os atos humanos. Além do que, sua congregação religiosas fornece apoio “logístico”, em troca do dízimo ou de qualquer doação dos bens concedidos “por obra e graça” de suas atividades com “disseminador da fé”. Ou você acha que ser um guerreiro santo, armado pela igreja, e idolatrado pelos simples, não é um benefício? Claro, o Paladino, na maior parte das vezes, deve demonstar comedimento e senso de dever para com sua fé, mas certamente, tais deveres não são tão rígidos quanto os do sacerdote.

  • Gostei muito do artigo! Bom saber que tenho um colega escrevendo artigo tão bons! A questão realmente é mais complicada do que parece, conheço só dois cenários que tratam ela melhor( RdF e Réia) e mesmo assim acho que poderiam ter mais profundidade.
    As vezes eu pensava justamente nisso como que a sociedade era tão rigida se a religião não era. Coisas de RPG, e o D&D não dá muito apoio mesmo, nem com os Livro de deuses… .

  • “por que o RPG é apenas uma diversão de fim de semana e você não tem muito tempo útil a perder (por que raios você leu esse artigo até aqui afinal????),” Quanto ódio no seu coraçãozinho, Fê..
    Muito bem escrito o artigo, diversos dos pontos que você colocou em questão são extremamente importante. O problema que eu vejo nestes cenários de fantasia medieval, porém, é que eles (jogadores, mestres, estruturadores dos livros, escolha) parecem tentar fazer é colocar um pensamento atual de visão de mundo em um fundo medieval; não me parece haver um desejo grande de realmente transformar o cenário em algo muito profundo ou similar filosoficamente falando com o período. Não acho que seja uma coisa de ‘não conhecer história ou filosofia’, mas mais uma questão de não querer saber mesmo. Posso estar enganada.
    Mas esse artigo me fez ficar com vontade de criar um personagem muito divertido para D&D 🙂

  • Excelente artigo, bastante relevante. Havendo ou não a existência de deuses — dependendo do cenário, eles podem, ainda que existam clérigos com poderes e etc., ser desde inexistentes a “meros” extraplanares oportunistas e poderosíssimos, que de criadores das coisas têm nada, e menos ainda têm de pudor em assumir o crédito pelas tais criações –, os personagens em um mundo fantástico teriam, teoricamente, relação mais direta e palpável com as instituições religiosas e a forma como elas, seja por ações diretas ou aceitação maciça de seus dogmas, influenciam o cenário. E, ainda assim, como citou o Arquimago em relação ao Divindades e Semi-deuses e outras publicações similares, as livros relativos ao elemento divino de um dado cenário se ocupam, predominantemente, em descrever apenas as divindades em si (com quem, a menos que sejam muito poderosos e com acesso a poderes raros e restritos, os personagens dificilmente interagirão diretamente) e o bufê de poderes a que seus servos têm acesso. Em relação às religiões em si — hierarquia, dogma, ritos… — o material é, infelizmente, escasso para a maioria dos cenários, o que é uma pena.
    Se você tiver a oportunidade de ler o e-zine Pergaminhos de Tanna-toh no.4 (deve sair muito em breve, o material completo já está com o diagramador, assim me disseram), do cenário Tormenta, há uma matéria da minha autoria sobre o clero de Nimb, em que levei em conta várias das considerações que você relaciona — em especial os mecanismos para asegurar a fé, visto que, por mais segura que seja a existência de uma divindade, ela é na melhor das hipóteses um patrono muito distante e nebulosos, logo, é necessária uma estrutura coesa para manter os fiéis “na linha” (especialmente em cenários como o Tormenta, em que as divindades *dependem* da crença para existir).

  • Olá pessoal
    Olha gostei muito deste artigo e achei muito explicativo. E realmente os vário tipo de RPGs de fantasia que existem nao conseguem consumir está caracteristica. E alguns até tentam, como é o caso de Réia e Réia: O Califado (este ultimo foi escrito por mim e H.M. Braga, que dever sair em Dezembro), na qual faz uma nova leitura da Europa do século IX (no caso de Réia) e do mundo islamico (no caso de Réia: O Califado), colocando alguns elementos fantasticos como tambem utilzando as religioes similares as reais do nosso mundo. Nao é perfeito, mas já é um comeco.
    Até mais
    Obs.: Desculpe pela falta de acentos, pois estou usando um teclado com defeito.

  • Magnífico.
    Escreve a p**** dum módulo, CENÁRIO, JOGO, SISTEMA com o tema, Fellipe!
    Faz um Shivaista e/ou Shaktaista pra mim, por favor. Eu vou adorar ! rs

  • Parabéns pela análise bem-feita, interessante e pertinente. Mas, pra não ficar só em elogios, gostaria de tecer uma crítica com o intuito de amadurecer as idéias desenvolvidas no artigo.
    Concordo que a maioria dos cenários de fantasia são superficialmente baseados na França e Inglaterra medievais, ignorando seus respectivos contextos cristãos. Entretanto, talvez porque sempre gostei de História e portanto procurava coerência similar à buscada pelo artigo, eu sempre tive uma percepção dos cenários no velho estilo Dungeons & Dragons como um processo inverso ao observado pelo artigo. Explico. Em vez de pegar a Idade Média inglesa/francesa, extirpar o Cristianismo e enxertar o politeísmo clássico, eu penso que esses cenários sejam mais como se a Roma Antiga não tivesse conseguido expandir-se em império por conta dos seres monstruosos que aterrorizam as fronteiras, portanto concentrando-se em feudos e cidades-estado para defender-se não só de bárbaros invasores (no caso, humanos ou orcs), mas também de dragões e outras feras que para nós são mitológicas, mas para eles são reais. Eventualmente, as técnicas da forja teriam-se desenvolvido tal qual a Alta Idade Média real, resultando no estereotípico cavaleiro, nas bestas, balistas, montantes e outras armas mais avançadas.
    Obviamente, os paladinos e clérigos tradicionais do RPG são baseados nos cavaleiros cristãos, como os paladinos de Carlos Magno, São Jorge, os cavaleiro templários, entre outros. Porém, eu vejo isso mais como uma imitação estética do que de uma forma cultural mais ampla. Ora, o cavaleiro honrado e heróico é uma figura também dos povos arábicos e japoneses, apenas para citar alguns dos mais reconhecidos. Certamente muitos deles podem ser considerados paladinos no sentido mais essencial (cavaleiro que defende a honra e a justiça), ainda que não em religião, estética e costumes. Esse é o meu ponto principal: os RPGs de fantasia roubam a estética, acima de tudo. Afinal, a maioria das pessoas tem familiaridade com contos de fada, desde o cavaleiro de armadura brilhante até fadas propriamente ditas, e os monstros mitológicos clássicos. Acho que as pessoas intuitivamente entendem e aceitam a mesclagem da Idade Média histórica com a fantasia e as mitologias politeístas.
    Esse raciocínio claramente não isenta, contudo, o descaso pelo papel da religião nas sociedades representadas naquelas mesas menos esclarecidas ou interessadas nessas questões antropológicas. Apenas tento argumentar que muitos elementos, até os paladinos e clérigos, não são incompatíveis com um contexto politeísta. Pelo menos, na minha visão de leigo, para quem os estudos sobre História limitam-se ao hobby ocasional e não a profissão. Tenho certeza que, com a tua formação, tens mais base pra, sob a perspectiva que apresentei, discorrer sobre a probabilidade de um povo similar ao grego ou romano antigo chegar a estéticas e técnicas similares aos franceses e ingleses medievais.
    Que pensas sobre essa perspectiva diferente?

  • Muita coisa para responder…. Já vou avisando que essa semana sairá a parte II desse artigo…
    Agora, respondendo a cada um, queria agradecer imensamente aos elogios aqui expostos, tenho uma prazer muito grande em escrever essa coluna, e gosto de saber que outras pessoas também se interessam pelos temas expostos… vamos lá:
    (Thiago e ao obrimos Álvaro) A respeito do Paladino:
    De fato é uma classe complicada, até por que ela sofre do mesmo problema do cenário como um todo, um conceito monoteísta atuando em um universo politeísta. Se considerarmos o politeísmo greco-romano como inspiração a coisa perde mais ainda um sentido, já que nos mesmos o sacerdócio era um cargo público que era renovado em poucos anos, sendo assumido por dezenas de cidadãos normais, cuja a devoção é para com os deuses de suas cidade ou povo, e nunca um deus só. Exceto em movimentos mínimos como o orfismo é que esse quadro era revertido. Ou seja, a idéia de um paladino, deve ser focada, ele não pode representar instâncias múltiplas, por isso optaram por coloca-lo no escopo de um deus único, ele foi assumido como um defensor do bem e da ordem, conceitos que são utilizados no jogo com nossa compreensão atual dos mesmos, isto é cristianizada. O Paladino é então um poço de contradição no cenário, talvez o maior construto artificial entre as classes, já que não podemos identifica-lo no tempo (uma vez que Templários e outras referências tinham em seu âmago o monoteísmo). Prometo que esta semana, na segunda parte da matéria, irei escrever como eu faria essa classe.
    Remo, Arquimago e Gervásio, desconheço o cenário de Réia, portanto não posso falar muito a respeito, mas tentarei dar uma olhada. E eu vou procurar o seu artigo sobre o Tormenta, da mesma maneira que Réia, eu não sou muito familiarizado, lembro do que li quando saiu o primeiro livro, junto com a DB. Mas devo confessar que gosto muito da idéia de Deuses que dependem de crença para existir.
    Daniel, meu querido e sumido amigo, isso está as poucos se concretizando.
    Por fim, Estevão, interessante sua análise sobre o tema, devo confessar que não imagino que essa transformação ocorresse visto que as modificações nas sociedades antiga e medieval são muito profundas, contendo uma completa releitura das relações sociais de base, religiosidade, noção de ética, filosofia, em suma, muitas coisas. Um Império Romano que não se expandisse tanto seria uma Atenas, com diversas colônias pequenas, mas nada comparado ao poderio Romano. Ela não trasncenderia a uma sociedade feudal politeísta pura e simplesmente (veja bem, não etsou assumindo que você disse que seria simples). Mas é com certeza uma idéia divertida de se pensar.
    Aguardem em breve o segundo artigo

  • Hahah muito legal seu artigo! Lembra-me muito algumas coisas que passo também nos jogos de RPG.. Meu curso no entanto é Ciências Sociais e sempre ADORO preencher as aventuras com problemáticas políticas, sociológicas, antropológicas, filosóficas, literárias, estéticas… acho que por mais que o jogo seja encarado como uma diversão, um entretenimento, não significa que deva ser alijado da multiuplicidade de aspectos que sondam a existência humana.. e é trabalhando estes aspectos que muitas vezes criamos as aventuras mais saborosas! Infelizmente muitos mestres não gostam quando tentamos preencher nossos próprios personagens em dimensões as quais vão para além daquele conjunto de atributos estruturalmente vazios… o que é uma pena e uma perda, pois o jogo de rpg é uma experiência que pode ser levada para além de uma simples diversão embotada como uma sessão de filme da tarde. Ela pode tornar-se uma experiência estética, de aprendizado, de vivência coletiva especial. Talvez o desinteresse de nossa sociedade com as dimensões humanas as quais vão para além daquela satisfação imediata e irrefletida possam em parte significar tais despretensões ( ou mesmo rejeições) dos jogadores.

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