A HBO já fez várias séries centradas em personagens femininas – como Big Little Lies e The Undoing – e também várias séries policiais – como True Detective. Juntar os dois formatos e criar uma detetive durona era arriscado, em especial por causa da grande probabilidade de se criar uma personagem plana, viciada em trabalho, sem grandes nuances, que focasse apenas no crime e não fosse, por causa disso, simpática para o público. Felizmente, Mare of Easttown dribla essa dificuldade trazendo Kate Winslet, arrebatadora, no papel principal.
Marianne ‘Mare’ Sheehan (Kate Winslet) é uma investigadora da polícia conhecida na pequena cidade onde vive como Lady Hawk. O apelido vem de um feito de muitos anos atrás: ainda adolescente, Mare fez uma jogada milagrosa no jogo de basquete que garantiu a vitória do pequeno time de sua cidade no Campeonato Estadual. Os dias de glória esportiva ficaram pra trás e agora ela tem alguns cremes para desvendar, entre eles o desaparecimento da adolescente Katie Bailey (Caitlin Houlahan), que ocorreu um ano atrás e que ainda assombra a cidade, e o recente assassinato de Erin McMenamin (Cailee Spaeny), uma mãe adolescente.
Como se isso não bastasse, Mare tem uma vida familiar bastante atribulada: seu filho Kevin se suicidou, deixando um filho pequeno aos cuidados de Mare e da mãe dela, Helen (Jean Smart), com quem Mare não se dá bem. A mãe do garotinho, ex-viciada, está disposta a lutar pela guarda dele na justiça. Mare ainda tem uma filha adolescente e um ex-marido, que mora na frente da casa dela e que está prestes a se casar novamente.
Para ajudar Mare nos casos é mandado um jovem investigador promissor das redondezas, Colin Zabel (Evan Peters). Para Colin, o peso das expectativas é muito grande: como ele já resolveu um caso complicado antes, todos contam com ele para novamente juntar as peças de outro complicado quebra-cabeças.
E o peso das expectativas para Mare? O que ter sido a “Lady Hawk”, heroína de um jogo de basquete histórico, trouxe para ela? O que o peso do passado, em especial da profissão e da morte do pai do filho, representa para ela? Mare é uma pessoa muito fechada, o que incomoda bastante sua filha Siobhan (Angourie Rice), que em uma cena verbalmente protesta sobre como Mare não fala do suicídio do filho Kevin. Para compreender e ressignificar seus traumas, Mare é obrigada pelos superiores do trabalho a consultar uma terapeuta. E nesse momento surge ainda um interesse amoroso para ela na figura do professor universitário Richard (Guy Pierce).
Além de todas as questões levantadas pelos casos de assassinato e sequestros, há ainda a dinâmica muitas vezes tóxica das cidades pequenas como Easttown, em que todos se conhecem ou são parentes. As relações familiares e de amizade podem e vão atrapalhar o aparecimento da verdade. Easttown é o tipo de cidade que cria traumas e traumatizados, o tipo de cidade cujo povo foi retratado de maneira beirando a caricatura no filme Era Uma Vez um Sonho e de forma avassaladora na minissérie I Know This Much is True, ambos de 2020. É o tipo de cidade que cria gente calejada, mulheres como Mare que não se arrumam não por desleixo, como já apontado, mas porque sabem que estão às voltas com predadores e seus cúmplices no silêncio.
Brad Ingelsby, criador e produtor executivo de Mare of Easttown, faz sua estreia no mundo das séries após anos como roteirista de filmes. Todos os episódios foram dirigidos por Craig Zobel, segundo diretor contratado, após o primeiro diretor, Gavin O’Connor, deixar a produção. A série teve sua gravação interrompida pela primeira onda de contágio do coronavírus, de modo que, ao voltar a ser gravada, teve cerca de metade das cenas reescritas para evitar aglomerações. E essas dificuldades todas não transparecem no brilhante produto final.
Com momentos extremamente tensos, plot twists e ganchos de final de episódio realmente de tirar o fôlego, Mare of Easttown prendeu os espectadores do começo ao fim e fez muito sucesso. Espera-se que a produção ganhe muitos prêmios, assim como Kate Winslet, que não apenas interpreta uma personagem despida de vaidade – algo que as premiações amam – mas sim uma personagem feminina complexa, cheia de nuances e extremamente – duramente – real.
Nota: 5 de 5 estrelas – Épico
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