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“O cisne negro, o ornitorrinco e o relógio parado” cria semântica única para falar da natureza e sentimentos humanos.

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No reino do Era uma vez, não é o passado que está sendo trazido da lembrança para uma audição contemporânea, nem passa, talvez, pelo tato da experiência, embora dela se note pela grafia do táctil inscrito na camada em baixo da epiderme. Das coisas sensoriais que ficam gravadas na pele que até poderiam dizer-se tatuagens mnemônicas. Mas a arte pode, através de uma relação mediada com o olhar sobre o mundo, represar não através do dialógico, que é um discurso de bate e volta, mas sim sedimentar pelo corpo – memória uma série de motes e dedos que são filhotes do enredo, enredo Pai que ensina o filho na arte da costura dos fios que são histórias soltas por aí, vão através do Pai – enredo, fazendo dedilhados que são os filhos da mão quando pintam, escrevem e bordam, por aí.

No livro “O cisne negro, o ornitorrinco e o relógio parado”, do poeta José Arimatéia, pela Editora Patuá, temos poemas que criam espaços afetivos; não de fronte e nem de confronto com o espaço altero. São poemas que lidam com as linhas tangentes das coisas, nos dizem da experiência ou não do poeta, mas não são discursivos na medida que não são colocados numa linha divisória entre algo e alguém, entre um corpo e outro corpo. Os poemas estabelecem conectivos afetivos com toda fabulação poética que lida com temas da natureza, do amor. Estão à margem do espaço frontal da visão. É como se os poemas tivessem o dom da gravitação – dançante. Eles dentro de sua materialidade corpórea, dentro da página onde estão impressos ficam numa dança espiral, porque não são fixos em sua semântica poética.

O que não se apresenta de maneira habitual;

O que é incomum; o que é raro.

Isso, é o insólito.

Pois que gosto do insólito.

Da casa azul subitamente vista da colina verdejante.

O morcego que rasante passa pelo quarto em silêncio.

O cisne negro, o ornitorrinco, o relógio parado.

No campo das flores vermelhas a cobrir a planície,

O lagarto, a ave de rapina, a cascavel que espreita o rato.

poema que dá título ao livro

O poeta faz do seu livro, uma geografia invisível entre os sujeitos, mas não destituída de desejos, há relações espaciais, mas elas obedecem a amplitude do olhar agudo à distância, os poemas que são fábulas  das histórias não estão no campo da disputa e da beligerância.

Talvez a matéria-prima do poeta seja o insólito, aquilo que é apenas uma sugestão do vir-a-ser, ou a própria condição humana amarrada ao tempo; o corpo que envelhece – o relógio parado seria uma paradoxal (in)decrepitude? Ou do animal que traz em sim uma biodinâmica não esteticamente normativa ao senso.

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