Entrevista com a poeta Mônica de Aquino

Mônica de Aquino nasceu em Belo Horizonte. Publicou Sístole (Bem-te-vi) em 2005. Tem poemas publicados em revistas e periódicos como Poesia Sempre, Piauí e Suplemento Literário de Minas Gerais e antologias como Roteiro da Poesia brasileira: anos 2000 (Global, 2009) e a Extração dos Dias: poesia brasileira agora (Escamandro, 2017). publicou também cinco livros infantis pela Editora Miguilim. Acaba de lançar “Fundo Falso” pela Editora Relicário.A escritora concedeu uma entrevista à Revista Ambrosia. Confira.

Ambrosia: Há um impasse na espera de Penélope por Ulisses, no qual a linguagem, que não é mediada por nenhuma espera, parece que media este tipo de conflito. Você trabalha sempre na estrutura da própria construção do poema, na arquitetura do levanta do chão, (o espaço da criação) sempre olhando o poema até mesmo os temas que existirão nele pelo qual a linguagem o elabora. Fale-me sobre isso?

Mônica de Aquino: Mais do que de espera, acho que se trata de uma busca, tecida, desfeita e retecida através da linguagem. No primeiro poema da série, a voz lírica declara: “Ulisses, agora, sou eu”. Mas o conhecimento do mundo não se dá com a partida, como no caso do herói grego. Nas diversas Penélopes, ao contrário, o que percebemos é a tessitura – e a destruição – de quem observa e absorve o seu entorno, e que, no final, espera a si mesma (“É a si que Penélope espera”). Que prepara sua jornada sob um signo labiríntico, como a Penélope final, diante do espelho.
A aventura da Penélope, de certa forma, é destruir certa compreensão histórica do feminino para, a partir dos retalhos, abrir outra possibilidade de trama, de língua.

A: Como foi o processo de montar as seções do livro? Os poemas estão muito bem alinhados numa conjunção temática? Você tinha um livro anterior quando ganhou um prêmio em Belo Horizonte e foi mexendo nele até este tomar forma?

Mônica: Ao montar o livro, eu já tinha clara a proposta de duas partes: a primeira, “A memória das mãos”, estava sendo desenvolvida a partir de releituras da Odisseia. A segunda, “A dor como método”, tinha como fundamento memórias, ou “memórias das memórias”, em que conjuguei vivências minhas a histórias vistas e ouvidas. Para montar as outras partes, imprimi todos os poemas que tinha e fui espalhando pelo escritório, lendo e relendo, até começar a combiná-los em eixos temáticos, o que também gerou a escrita de novos poemas e a exclusão de outros que inicialmente compunham o projeto.
Sim, o material que venceu o prêmio é uma versão anterior da que compôs o livro, mas dentro da mesma ideia geral e incorporando a maior parte dos poemas.

Entrevista com a poeta Mônica de Aquino – Ambrosia
A: Você trabalha uma violência latente no seu texto, mas que me parece que não é algo que sirva aos temas que perpassam o conjunto de poemas. É mais um forja algo como um instrumento duro como um artesão que formaliza uma pedra que vá tentar lhe dar um outro contexto. E esta forma não é o seu conteúdo mas a lida da linguagem a ser construída em sua expressão máxima. Como foi ter este rebatimento como forma de princípio dos textos?

Mônica: Sua observação me lembra o início de um documentário sobre a artista plástica Louise Bourgeois. Ela fala da violência da escultura, para submeter um material inerte, inofensivo, à sua vontade; para torcê-lo, transformá-lo.
Vejo algo deste trabalho em relação à linguagem. Mas é importante lembrar que a matéria com que atuamos nunca é inofensiva. Há outra diferença: entendo sua “transformação” não como uma submissão, mas como liberdade. Na poesia, a palavra ganha potência, amplia significados, estende sua teia. Capturar os fatos para os expor sob diversos ângulos, na sua beleza e crueza, quase sempre tão múltiplos, é um dos exercícios que me proponho através da escrita.

A: Interessante o aspecto do cão descrito nos poemas da primeira seção. Posto ser um animal doméstico, ele serve talvez como um emblema pra destacar certas posições de esperas, mas lhe pergunto um texto, ele tenciona uma relação de fixidez desta posição (do olhar para quem chega) sem nenhum tipo de movimento. O próprio leitor não ficaria aflito com a postura de aguardo? 

Mônica: Os cães dos poemas, com sua domesticidade, com a ferocidade contida, me remetem a uma ideia de ameaça latente, que coloca em xeque papéis sociais preestabelecidos e certas máscaras no convívio: a violência está ali, pulsando secreta, na mulher que se identifica e ao mesmo tempo nega o cão.
De certa forma, guarda algo da violência de Ulisses, o herói diplomático, que vence pela astúcia, mas que ao final dá vazão a uma onda de agressividade que parecia represada, e que culmina no massacre em seu palácio.
O cão parece lembrar ao eu lírico tudo o que é preciso destruir, ou tudo que se deseja eliminar; no lugar do elogio da obediência, há aqui o questionamento de certa ideia de paz tão artificial que guarda em si a explosão.
Imagino que esta tensão que sinto com a leitura dos poemas seja compartilhada por muitos leitores.

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