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Regresso ao Éden, de Paco Roca, confirma o enorme talento do autor espanhol

Regresso ao éden, de paco roca, confirma o enorme talento do autor espanhol – ambrosia

Nos últimos anos, os quadrinhos espanhóis chegaram ao Brasil, com obras de extraordinária qualidade, graças a gerações de autores que ousaram contar histórias de todos os tipos e com total liberdade. E de todos os autores que surgiram nos últimos anos, Paco Roca, brilha com luz própria e que junto a Carlos Giménez no futuro serão considerados os melhores autores de quadrinhos adultos que os quadrinhos espanhóis produziram.

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Ambos compartilham o desejo de se tornar os cronistas da história recente da Espanha, dando voz e colocando o foco naqueles que permaneceram calados por obrigação por muitos anos. Pudemos vê-lo em obras de Giménez como Paracuellos (Comix Zone, 2020) ou Barrio (Comix Zone, 2022) e vemos em obras de Roca como Rugas (2021), A Casa (2021) ou Acasos do Destino (2022) e nesta obra que sua casa editorial no Brasil, a Devir, trouxe mais recente, Regresso ao Éden, que analisaremos a seguir.

Paco Roca aborda a história de sua narrativa gráfica em torno de uma foto de família de 1946 na antiga praia de Nazaré, na capital valenciana, a única que Antonia, mãe do cartunista, guardou da mãe, a avó materna que não teve oportunidade de conhecer. A partir dessa foto e dos depoimentos de seus familiares, Roca atua como um narrador que nos conta a vida de sua família, focando sobretudo nas mulheres da família.

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Uma família humilde, como a grande maioria na época, tentando viver da forma mais digna possível no ambiente de miséria que o golpe fascista gerou. E perante uma férrea moral católica liderado por un Estado e uma Igreja que, não contente por ganhar a Guerra, buscam vingança contra aqueles que defenderam a liberdade e esmagam qualquer tentativa de criar uma sociedade mais justa.

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A familia da mãe de Roca sem recursos para subsistir, fato que os obriga ao mercado negro que só serve para enriquecer as elites franquistas. Apesar que o autor centra-se na sua família, ela é um reflexo da realidade sofrida pela grande maioria da sociedade da época. Como em A casa, Roca não narra acontecimentos extraordinários, muito pelo contrário, estamos tratando de uma história do cotidiano de pessoas comuns.

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Agora que vivemos uma era polarizada em que alguns nostálgicos da ditadura tentam reescrever a história, obras como Retorno ao Éden são mais necessárias do que nunca., pois servem para nos lembrar como era a vida naqueles anos de gente comum que nunca aparece nos manuais de história.

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Aqui encontramos como foi o dia a dia de centenas de mulheres, submetidas a uma férrea propaganda ideológica baseada numa peculiar interpretação do catolicismo, aliada à ausência de condições a uma educação de qualidade, foram condenadas a uma vida cuja única propósito era ser donas de casa e mães, dependentes de um homem que pudesse maltratá-las sem que nenhuma autoridade movesse um dedo sequer. A felicidade delas e o fato de se sentirem realizadas como pessoas nunca foi prioridade para ninguém. Uma triste realidade que não viveram apenas as avós, as tias ou a mãe de Paco Roca, mas também com muitas mulheres espanholas.

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Embora Regresso ao Éden seja uma história que o toca pessoalmente, Roca não esconde as misérias e defeitos de nenhum de seus parentes, algo que enche a obra de verdade e proximidade, já que em nenhum momento se atreve a julgá-los.

Apesar de nos contar uma história com momentos muito difíceis, como em quase todas as suas obras há sempre um final que nos traz um sentimento de esperança.Tudo isso com o toque Roca, que faz com que os leitores tenham empatia com todos os seus personagens. É esta capacidade de transmitir emoções ao leitor que tem feito com que as suas obras cheguem a um público maior do que o habitual público das histórias em quadrinhos, sem a necessidade de contar histórias épicas ou maniqueístas, simplesmente contando histórias que poderiam acontecer com qualquer um.

Além de nos contar como sua mãe e sua família viveram o pós-guerra, Roca intercala contos em que explica os planos expansionistas do ditador, como as elites da ditadura se beneficiaram do mercado negro ou como a Religião era usada pela hierarquia eclesiástica para manter o povo oprimido, algo diametralmente oposto ao que Jesus Cristo defendia. Tudo para que o poder não mude de mãos e se construa uma sociedade mais justa e com menos carências.

O outro grande tema da obra é a capacidade que nós temos de vincular memórias a objetos e alterar nosso próprio passado para obter uma visão dessas memórias modificadas ao nosso gosto. É o que Antonia faz com a foto, que se torna para ela algo semelhante a uma relíquia que lhe devolve um reflexo idílico de seu passado, algo que o imediatismo da fotografia digital pôs de lado.

A arte de Roca está totalmente consolidada. Seus traços limpos e claros que nos remetem ao estilo clássico dos quadrinhos, saindo de seu estilo em algumas cenas em que narra episódios bíblicos ou o funcionamento da ditadura. Além do domínio da cronologia habitual em sua obra, mostra nesta obra um uso sábio dos silêncios, como na cena em que o pai de Antônia come sozinho a caçarola de caracóis que sua mãe lhe trouxe, que nos faz encolher o coração e diz muito mais do que centenas de palavras.

Mas o que mais se destaca é a quantidade de recursos inovadores, como o uso de fotografias ou diagramas diversos, além de aproveitar a composição diferenciada de páginas oferecida pelo formato paisagem, que já havia utilizado em A casa, mas que aqui chega a outro nível.

Regresso ao éden, de paco roca, confirma o enorme talento do autor espanhol – ambrosia

A Devir traz mais uma edição caprichada com o cuidado que a caracteriza, com uma ótima reprodução, design e papel. O ideal para desfrutar de um trabalho fantástico como este.

Análise Final

Uma história corajosa, emocionante e dura sobre a terrível realidade social de uma época marcada pela miséria e injustiça, que alguns tentam obscurecer para que a esqueçamos. Uma homenagem mais que necessária às mulheres que tiveram que lutar contra a fome e uma sociedade machista que as transformou em cidadãs de segunda classe e que muitos, em especial no Brasil de hoje, parecem almejar. Mas também é uma reflexão lúcida sobre a memória e como os objetos mais mundanos trazem de volta memórias de entes queridos.

Regresso ao Éden, de Paco Roca

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